JOSÉ MARIA CAVALCANTE: recordações de um velho
deputado comunista (II)
Esta matéria foi publicada no suplemento Campus do jornal O Dia, Maceió
Comunism. Brazilian Comunist Party.
Dois dedos de prosa
O número de hoje é uma ligeira contribuição
para a história política de Alagoas, trabalhando um pouco a vida do Partido
Comunista e trazendo um depoimento de um dos raros comunistas de Alagoas que
tiveram assento na Assembleia Legislativa, época em que três ocuparam cadeira ao mesmo tempo.
Trata-se do José Maria Cavalcante, que estava na bancada junto a André Papine e
Moacir Andrade.
Será
interessante verificar seu depoimento e sentir a ambientação política em
Alagoas àquela época. Pare este número de Campus, desencavei o velho baú em que
guardo pequenas lembranças sobre Alagoas.
Boa
leitura.
Sávio de Almeida
Continuação do número anterior
No
meio de toda a narrativa do Zé Maria, estava a pergunta inquietante: o que
seria, realmente, o comunismo como força política naqueles andamentos de nossa
formação histórica? Como ele se fazia presente, nas contradições que eram vividas?
O que ele era dentro da correlação de forças que estava estabelecida? A
demonização sempre foi uma estratégia de aniquilamento utilizada pela elite
alagoana: a criação de demônios era decorrência da tática política dominante. O
comunismo, sem dúvida, era mais um e não deve ter sido fácil para a elite, ver
três comunistas dentro da Assembleia Legislativa. A aventura teria de ser
torpedeada.
Temos em mãos, material do Baltazar de Mendonça que nos foi dado pelo Oseas Cardoso, sogro do Baltazar. Nele, há uma carta de extrema importância, pelo enunciado de que rapidamente estaria ocorrendo nova perseguição aos comunistas. E foi o que aconteceu. Se não nos falha a memória, Baltazar de Mendonça falava em sua escolha pelo PSD. Não nos resta dúvida, que tudo deriva do peso da ideia. Este peso passando pela chamada Intentona Comunista, deixava a sensação de que não era mais uma mera proposta a correr politicamente, mas uma ideia que estava articulada a uma resistência e a uma estratégia de ação e, portanto, sempre atingiria aos temores e tremores do sistema.
O
peso da ideia e a possibilidade de articulação e resposta geram a atalaia
permanente com relação ao perigo vermelho.
Zé Maria teve diversas experiências de momentos políticos, ao decorrer
de sua militância; mas nesta conversa, o clima do Estado Novo ressuscita, a II
Guerra Mundial, os feitos do glorioso exército vermelho ficam na ordem do dia e
o Partido assume uma posição central na vida do estado; era o partido, sem
dúvida, de senso moscovita e enraigado nos caminhos traçados por Stalin.
Certa
feita, fizemos um comentário ao Gildo Marçal Brandão sobre como a maioria
comunista d’antanho sentia e argumentava a função do Partido na história
nacional; nada no país que aconteceu ou não aconteceu, deixou de passar pelo
Partido Comunista. É assim que sinto em José Maria Cavalcante. O depoimento que
está nesta edição de Campus é exemplar. Sendo ou não sendo o que Zé Maria fala,
o Partido era a representação imediata da história e, como tal, senhor dos
tempos; daí, o modo como era encarado no sentido de que sem ele, nada estaria
acontecendo e, portanto, jamais poderia existir o sem-ele, a passagem,
obrigatória e evidente; sua ausência ou presença definiam
É muito diferente ouvir o Zé Maria e ler o Zé Maria. Ouvir na hora, foi um grande espetáculo. Ler foi a busca de algumas singelas respostas: quem era real? Alagoas, o Partido, Zé Maria? Até quando o imaginário invadiu a fala? Quais os efeitos práticos de uma alimentação por via da constante construção de um imaginário? O que a própria fala trazia de significado para entender as Alagoas real ou imaginária? Uma espécie de Alagoas da utopia e do heroísmo por cima da cana de açúcar? No fundo, existe uma questão que inquieta: não resta dúvida que se teve um comunismo construído nas Alagoas. O que era ele? As especificidades existem e devem ser levantadas e procuradas. Não é suficiente narrar a quadra heroica do comunismo local, facilmente evocada. Talvez, sendo reconhecido o comunismo que acontecia aqui nas Alagoas, estejamos perto de saber como somos.
Dá uma vontade muito grande de jogar para o comunismo nas Alagoas, a visão usual das diferenças que anda a aparecer com muita facilidade. É interessante um texto de Bruno César Cavalcante, em que comenta a questão da diferença e embora esteja em outro contexto, é preciso visitá-lo. Ficamos nos perguntando, se Alagoas estaria vendo o comunista como um outro. Em outras palavras, este comunismo apontado na fala do Zé Maria poderia se cotidianizar ao ponto de igualar-se, ou seria sempre uma razão de diferença? Como vencer as Alagoas profundas e ganhar papel cotidiano, mantendo a natureza e o significado da tensão política?
É também necessário pensar na diferença que existe entre um passado comunista e uma atualidade comunista. A atualidade estrategicamente prescinde do passado? O que faz a diferença entre um e outro? Poderia esta fala do Zé Maria alimentar esta discussão? A estrutura de uma organização partidária de caráter marxista-leninista e temperada por Stalin, como fica? Alagoas “refundado” o Partido Comunista, mas dele nada se ouviu, salvo algumas reflexões do Golbery Lessa sobre a esquerda (material publicado em Contexto, suplemento que dirigimos na Tribuna Independente), mas não são matéria de Partido e sim reflexões pessoais.
Aliás,
Golbery, honesto como é, jamais misturaria as cores. Pode-se discordar, como em
muito pontos discordo do Golbery, mas jamais duvidar de sua integridade. O que o Partido teria a nos dizer? Sem dúvida
muito. Será que Campus está se distanciando de Zé Maria quando faz estas
observações ou aproximando-se? O fato é que não se mexe com história
impunemente. O “novo” Partido Comunista daria uma excelente contribuição à
discussão política de Alagoas, na medida em que fizesse um pronunciamento
calcado em suas reflexões sobre o Estado. Campus – inclusive fez este pedido, através de
Oswaldo Maciel – teria o prazer de divulgá-lo, como faria com documento de
qualquer partido político e que tivesse a mesma intenção de propor sobre
Alagoas, independente de qualquer teor ideológico, além de contar sua história.
Aliás, esquerda não vem se transformando em mais uma palavra prêt-à-porter que todos fingem – honestamente – entender? Esta tirada do prêt-à-porter derivamos de Mattelart. Será que se vive como se necessariamente os termos fossem as confusões de suas próprias cargas semânticas? São muitos os termos nesta categoria como representação, estrutura, desenvolvimento sustentável... Lembro ter lido em Barth que estrutura era uma palavra que utilizamos somente para ter de dizer o que ela significa. Esquerda parece mais um deles. Esquerda é um termo meio mágico, inclusivo, omnibus e estranhamente evidente: como defini-la?
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