Meu pai |
Entre o céu e a terra
Eliana Cavalcanti
Entrei às pressas no Teatro de Santa
Isabel. Logo no saguão, fui recebida por um dos organizadores do festival, que
me anunciou que tinha convites para mim, na bilheteria. E me perguntou: “Onde
estão os outros?”. Ao que lhe respondi: “Estão chegando. É que eles foram para
um hotel, enquanto que eu estou hospedada na casa de meu irmão, que fica mais
perto daqui”. Esclarecendo: eu estava no Recife, vinda de Fortaleza com alguns
dos nossos alunos que tinham se apresentado no palco do Teatro José de Alencar,
numa seletiva para o “Passo de Arte”, concurso de dança que acontece todos os
anos em São Paulo, na cidade de Indaiatuba.
Estávamos eufóricos, pois, dos cinco
alunos do Ballet Eliana Cavalcanti que se submeteram ao concurso, quatro haviam
sido selecionados para a final do “Passo de Arte”, o segundo maior festival de
dança do país, só perdendo para o de Joinville. Na bilheteria, uma moça muito
simpática sugeriu-me não esperar pelos meus bailarinos, pois já ia ser dado o
terceiro sinal. Ao me dirigir para a escadaria que dá acesso à plateia, um dos
lanterninhas me informou que meu assento era mais em cima. Subi as escadas
quase correndo, e outro lanterninha me acompanhou até um camarote localizado
frontalmente ao palco, abriu a porta e, para surpresa minha,
já havia um senhor bem instalado. Cumprimentamo-nos com as luzes já se
apagando. E o espetáculo começou. Após uns dez minutos de coreografia, o meu
pessoal chegou e se instalou, silenciosamente, no camarote do lado esquerdo.
Comentei baixinho: Ué, ficamos separados!
Teatro Santa Isabel, Recife |
Quando eu ia saindo da casa do meu
irmão, antes de fechar a porta do quarto, olhei pra trás para ver se havia
deixado alguma coisa fora do lugar. Foi quando avistei um exemplar do meu livro
50 anos de plié – memórias de uma
alabucana, na mala entreaberta, deixada em cima da cama. Fiquei na dúvida
se o levava comigo ou não. Depois, pensei: “Vou levar, sim. Vai que encontro um
amigo que ainda não tem o meu livro...”. Naquele momento, ali no teatro,
lembrei que no capítulo desse meu livro em que falo no Stagium, faço uma menção
àquele gentil anfitrião que tão bem nos recebeu no seu elegante e confortável
apartamento, no bairro de Higienópolis, em 1973. Fiquei esperando que o
espetáculo terminasse. Ao lhe mostrar e ler para ele a página do livro, este
homem ficou estupefato. Disse-me que não tinha o que fazer naquela noite, e que
não sabia por que tinha resolvido assistir a um espetáculo de balé. Aquilo não
lhe era comum. Dei-lhe o livro de presente, dedicado, naturalmente. E ele,
gentilmente, me disse: “Fique à vontade, pois sei que você deve ter muitos
colegas e amigos para cumprimentar, mas ligue para o seu irmão dizendo que não
precisa vir lhe buscar, pois faço questão de lhe levar em casa”.
Santa Isabel |
Meu pai, à época, ficou muito
agradecido com a hospitalidade do senhor Alexandre. Fez uma visita ao seu
irmão, Fernando Leal, na sua loja em Recife, pedindo- lhe que fizesse chegar às
mãos do irmão uma lembrança da nossa gratidão. Ambos eram proprietários da Casa
Viana Leal (uma das melhores lojas do Recife, se não a melhor). Um irmão
gerenciava a loja de Recife e o outro, a de São Paulo.
Fico com a frase do personagem
Hamlet, obra do dramaturgo inglês William Shakespeare: “Há mais mistérios entre
o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”.
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