Bruno César Cavalcanti[1]
Num Brasil saído do século
raciológico, o XIX, obras de síntese aludiam a elementos raciais e étnicos
formadores do povo brasileiro suscitando a dúvida se seríamos mais bem
explicados pelo conceito de classe ou
de etnia. Esse impasse, no entanto, mostrou-se
frágil para a geração que formou e informou a Luiz Sávio de Almeida, sendo vencido
pelo argumento de que o social estabelece e contextualiza os conteúdos
culturais e não o contrário. Na verdade, Sávio pratica uma sociologia histórica
bem informada contra essa armadilha epistemológica culturalista, que leva os
desprevenidos a aludirem a “contribuições” étnicas para o cadinho brasileiro
ou, no caso, alagoano.
Nosso autor escapa disso, pois seu
aporte é marcado por uma preocupação sempre explícita com a matriz de produção
da formação social, o núcleo duro de seu trabalho, fazendo-o livrar-se de um procedimento
diletante quando se trata de invocar as questões étnicas e a elas atribuir qualquer
essencialismo, algo ainda tão corrente entre nós como nas invocações narrativas
da marca “caeté” fartamente atribuída a pessoas e episódios alagoanos, num
verdadeiro abuso discursivo; pois mesmo que metafórico esse uso pode assumir ares
demagógicos, quando não cínicos, sendo do nome do povo dizimado retirado a última sevícia com essa invocação exagerada
do etnônimo. Luiz Sávio escapa à tentação, uma vez que o seu referencial
etnológico suplanta facilmente essa mixórdia alagoana.
Por outro lado, estudiosos contemporâneos
da história de Alagoas têm sido denominados em algumas oportunidades de etnólogos
ou de antropólogos – até mesmo de etnógrafos! –, num abuso heurístico que nada
esclarece e muito confunde. A imprecisão no emprego dos termos, resultante de
benevolência amalgamada com desconhecimento, deve ser evitada em nome do
esclarecimento e do mérito. Especialmente etnógrafo, diga-se, nenhum destes
escritores o é ou foi. É verdade, contudo, que eles flertam a etnologia com
competência e propriedade. Parece ser
este o caso de Luiz Sávio de Almeida, que certamente está entre aqueles que,
num gesto empático, mais visitam in sito
as gentes sobre as quais escreve – o que o aproxima do modus operandi etnográfico, mas isso não configura um fator
suficiente para enquadrá-lo nesta condição uma vez que sua base de dados
permanece arquivística e documental, à moda do historiador. Mas tanto em sua
produção científica quanto ficcional encontram-se outras de suas pegadas
transdisciplinares que o aproximam de um diálogo com temas comuns a
antropólogos e historiadores: o cotidiano urbano, a memória coletiva, a
religiosidade, diferentes formas de sociabilidades populares, a vida dos
operários ou dos sítios e fazendas etc. Nessas frentes, é possível sentir um
sopro de antropologia ou um acento a mais de importância dada à dimensão
simbólica, às significações atribuídas pelos atores sociais aos seus atos e
rotinas. Mas como “a dor da gente não sai no jornal”, evidentemente que se
trata de uma operação limitada para quem trabalha com documentos mais do que diretamente
com pessoas.
De forma mais explícita, a marca
etnológica em sua obra aparece em 17 publicações reunindo textos dele e de vários
autores que participam da coleção Índios
do Nordeste, organizada por ele. É uma contribuição definitiva para as
pesquisas historiográficas e etnológicas em Alagoas e além. Aos temas
envolvendo populações indígenas soma-se, no caso, sua produção com as questões
gravitando em volta dos contingentes afrodescendentes e de vários temas
afro-brasileiros, presentes em sua vasta obra. Sávio retrata diferentes dimensões
das condições sociais e culturais do negro em Alagoas desde o escravo ao folião
do carnaval, do vendedor de sururu ao contador de estórias fantásticas na Zona
da Mata. Em suma, de Tia Marcelina à Nega Jujú ou do Moleque Namorador ao
Benedito do Peri-Peri as suas escolhas falam por si e informam, ao mesmo tempo,
vínculos temáticos de simpatia e de valorização do humano que habita em cada um
dessas personagens que traduzem classes e segmentos de pessoas com seus
sentidos de vida.
Ótimo texto!! se espichar dá livro!Parabéns!
ResponderExcluir