Este texto foi publicado em Campus/O Dia
Dois dedos de prosa
Esta é uma nota prévia de capítulo que constará de
livro por nós em preparo e com o título de História
dos costumes, usos e abusos em Alagoas. Nada mais e nada menos do que isto.
Escrevo em homenagem ao Centro Mello Maia, especialmente pelos seus anos de
existência, uma situação raríssima dentro do eterno efêmero que parece governar
Alagoas.
O autor adoraria receber informações e críticas
pelo e-mail ndsvcampus@gmail.com.
Vamos lá Irmão Jayme. Continua firme no José Eusébio?
Dele pouco sei, Irmão! Apenas que era professor, mas vou descobrir muito mais.
Um abraço
Luiz Sávio de Almeida
Um pequeno esclarecimento
O texto é uma coleção de pequenas notas sobre a história do
espiritismo em Alagoas – se elas são boas ou não, pouco me incomoda. É material
ainda em tratamento e continuará assim por, no mínimo, um ano, quando então me
animarei a colocar em livro. Pode ser considerado como Nota Prévia – e, como
todo texto, vai ser aceito ou rejeitado em parte ou no todo pelo leitor. Também
não me importa. O fundamental é que desperte o estudo da história dos espíritas,
algo bem mais colocado do que história do espiritismo. Não me interesso em
tirar conclusões, mas em levantar questões – e, realmente, fico esperando que
meus erros sejam férteis.
As razões de ter publicado as achegas dei no texto de
abertura e foi publicado no nº 144 do
nosso suplemento de O Dia.
O texto vai para Manoel Pinto de Mello Maia, mas vou
acrescentar Hugo Jobim. Não os conheci pessoalmente, o que é mais do que claro.
Mas conheci e gostava demais do Irmão Jaime, a quem associei muito dos
primeiros e despojados espíritas de Alagoas e a quem muito projetei na figura
de Antônio Pombo.
Achegas: o espiritismo em Alagoas (II)
Luiz Sávio de Almeida
Para Manoel Pinto de Mello Maia,
Hugo Jobim, Antônio Pombo e ao grande amigo Irmão
Jaime
Um pouco sobre a intensidade das ações
Ao que tudo
indica, e ainda segundo o Lumen,
houve uma fase de ação, outra de arrefecimento e, finalmente, deu-se a reação
do movimento. A queda de intensidade ocorreu, como diz a análise publicada em Lumen, pela pressão contra as atividades
que deveriam ser realizadas para firmarem a presença do espiritismo. Diz o jornal com sua linguagem forte,
combatente, típica de quem estava ainda sob severa pressão:
Logo, velhos sebentos, sábios de
contrabando, teologistas de confrarias, beatos de todas as espécies, se
levantaram contra a seita nova, cobrindo-a de ridículos, de esconjuros e dos anátemas da bestice e da
ignorância humana.
Isto bastou para que cessasse de
repente o entusiasmo das investigações de então: ninguém se animava a investigar os fenômenos [...] O
meio era sobremodo atrasado, obscurecido pela influência nefasta de uma
filosofia penosa para o espírito da época.[i]
Então, ao
tempo dessa revisão histórica, os debates que se faziam encontravam o
espiritismo reposto em campo e em muito pesavam as atividades do Centro Espírita das Alagoas e depois Centro
Mello Maia, com a mola mestra de sustentação deste Centro, passando por Manoel Pinto de Mello Maia, conforme frisava a
análise que estamos a comentar:
“Por
este tempo surgiu a ideia da fundação do ‘Centro’ que ainda hoje mantemos,
graça principalmente aos esforços e ao zelo do nosso querido irmão Manoel Pinto
de Mello Maia.[ii]”
É nesse
contexto que surgem diversos nomes de militantes que deveriam ser lembrados,
justamente na fase em que a presença pública já se fazia com maior facilidade.
Se não houvesse essa consolidação, jamais se teria o nível de debate que
aconteceu – e ele era um sinal, pela Igreja Católica, de que havia algo a
enfrentar no plano das ideias e nas consequências políticas. Nessa altura, o
espaço espírita havia aumentado e, nisso, tinha importância o quadro da
imprensa: A Ciência que foi articulada
pelo Grupo Espírita Vicente de Paula,
A Luz e O Espírita Alagoano que foram dirigidos pelo Antônio Pombo. Na
retomada, o crescimento passava por Maceió e por outros municípios: havia o Allan Kardeck, em Penedo; Esperança e Luz, em São Miguel dos
Campos, dirigido por Bráulio Monteiro; São José, em Fernão Velho; São Domingos, em Rio Largo – os dois últimos criados com a presença de
Manoel Joaquim Vidal.
Bezerra Menezes |
Evidentemente,
e vale ser relembrado, quando entram no cenário das forças políticas do século
XIX alagoano, o espiritismo, a maçonaria e o protestantismo eram uma densa
reação ao mandonismo católico; afrontavam a base da organização doutrinária da
sociedade tanto no campo oficial quanto no campo popular do catolicismo,
voltado para os lugares e de denso cunho paroquial. Deste modo, tais correntes poderiam ser
encaradas como subversivos; eram elementos que deveriam ser destruídos para
salvaguarda dos valores do cristianismo que teriam a Igreja Católica como
guardiã. Seriam forças acompanhadas pela necessidade de abertura da sociedade e,
por isso, vai se desenvolver um jogo de confronto e de acomodação.
É preciso
notar que abrir espaço no bloco católico era tarefa difícil, carregada de
tensão e estamos, portanto, diante de um confronto com o modo da organização
senhorial dominante, da qual a Igreja Católica continuava a ser um dos braços
de representação e sustentação. A tríade
mencionada, junto à ideia de contestação ao capital que já se esboçava na
organização dos gráficos, consistiam elementos centrais de oposição e, mesmo
que não fossem reconhecidos como tais, estavam demarcando fissuras nos
fundamentos das bases ideológicas e, portanto, políticas, ao lidarem com nova
proposta sobre o sagrado, mormente no caso do protestantismo e do espiritismo.
Apesar de estarem
em contestação, eles não se somavam e serão excludentes sendo, portanto, uma
contraposição fragmentada o que, sem dúvida, beneficiava à manutenção do modo
católico de representar as estruturas de produção. O não ajustamento favorecia
aos interesses católicos, jamais se poderia pensar numa junção entre espíritas
e protestantes pelo fato de que se contrapunham na base das argumentações. Por
protestantismo entenda-se, neste caso, a presença de batistas e presbiterianos.
Por outro
lado, convém considerar que apesar das dificuldades de comunicação, a Província
das Alagoas poderia ser acessada por terra e por mar e, então, as notícias do
mundo exterior circulavam em Alagoas. Ela se abastecia de informações e
dependia dessa espécie de exterior de cabotagem. Somente depois e presente no
tempo da expansão espírita, tinha-se o mundo da via férrea nos articulando,
sobremaneira, com Pernambuco, enquanto o vapor já estava nas embarcações que
visitavam, sistematicamente, a Província, tocando nos portos do sul e do norte
e indo aos interiores do Baixo São Francisco até o limite de Piranhas.
Logo veio o Além Túmulo
É de se
pensar que vamos ser – a bem dizer – imediatamente atingidos pelo trabalho
desenvolvido na Bahia por Luiz Olímpio Teles Menezes, o fundador do Echo do Além Túmulo, jornal que aparece
em 1869, e em 1870 estará divulgado em Alagoas, através de uma loja tradicional
do comércio: Andrade. Estava sendo esse jornal agenciado em Alagoas e anunciado
pelo União Liberal de 26 de Outubro
de 1870. Aliás, deve ser visto que Teles
de Menezes foi um dos primeiros tradutores de textos de Kardeck para o
português[iii].
A expressão
“Além-túmulo” era rica em sentido e apontava a existência de outro espaço em
comunicação com o cotidiano – viabilizado, a nosso ver, e considerando o
doutrinário espírita – pelo liame estabelecido na lógica da reencarnação. Essa
ideia acentuava o cotidiano como provisório e a expressão “Além-túmulo”
dava-lhe um limite preciso, a informalidade que a expressão estaria carregando
era aparente.
Nos mistérios
de entonação católica, esse além era plasmado numa espécie de geografia plena
de fronteiras consolidadas em categorias como o paraíso, o purgatório, o limbo,
o inferno. Nos mistérios do espiritismo,
a literatura espírita estará dando notícias de outra organização daquele espaço
sagrado. Esse ponto é essencial: o mundo espiritual tinha sua organização
diferenciada e possivelmente, o que existe de melhor nessa demonstração do
contexto de um urbanismo do sagrado
está em Nosso Lar, o que virá muito
mais para frente, quando o espiritismo popular se afirma na linha de frente
nacional, por onde entra a abundante e messiânica psicografia de Chico Xavier,
trazendo os depoimentos de André Luiz.
Nosso Lar é muito mais do que um romance
e jamais poderia ser entendido somente como tal. É um tratado da sistemática de
relações em uma categoria espacial absolutamente diferenciada e serve-se da
linguagem literária para traçar uma etnografia daquele mesmo espaço. Não seria,
portanto, reduzível apenas a uma obra de ficção que é, simplesmente, no caso,
um modo de falar sobre uma determinada organização social espiritual. É de se
notar que decorrem quase 75 anos de presença do espiritismo no Brasil para que
se materialize a fala de André Luiz, o esclarecedor nacional (a partir de 1944)
do espaço espiritual, algo harmônico em contraste com o caos do chamado mundo
material.
Nós estamos
diante do tempo espírita e Nosso Lar
será uma das demonstrações ou um dos passos da maturidade do espiritismo
brasileiro, fundada pela ruptura que Chico Xavier e André Luiz ocasionam. Nossa Lar é, sobretudo, a demonstração
dos umbrais, da segmentação pelo anti-humano e é nesse sentido de redenção que
se constrói uma bela utopia de uma cidade que prepara a humanidade para o
aproximar-se da purificação. O senso do coletivo espírita faz com que André
Luiz, um médico, construa o universo das colônias.
Nos mundos
espirituais, a relação com o cotidiano profano mediante reencarnação e outros
fenômenos seria constante, parecendo-nos uma indistinção do espaço do sagrado
pela sua absoluta abrangência sobre a totalidade. Nesse sentido, o espiritismo
brasileiro será recriado por uma nova forma, impossível de consolidar-se à
época que estamos trabalhando: a da grande abertura da mediunidade através
especialmente da obra de Chico Xavier e da literatura mediúnica por ele
desenvolvida. No entanto, não seria por aí que Chico Xavier seria ruptura. Tal
ruptura se dá pela mediunidade desclausurada, pela expressão de massa que ela
envolve. Saem da clausura dos grupos e centros para estar abertamente no
público do agônico humano, apesar de utilizar-se do comum da instrumentação dos
trabalhos espíritas.
Nesse ponto
é de se tocar no socialismo argumentado por León Denis.
Sem dúvida,
há um sério recorte entre a mediunidade de Chico Xavier e o engessamento do
discurso doutrinário. Seus textos trazem a grande marca do que o espiritismo
foi aprendendo em sua prática brasileira até tornar-se o espiritismo de contato
com o cotidiano nacional – espécie de missioneiro – e, este sim, de inegável
raiz popular, embora continue o distanciamento da grande discussão de
possibilidade de caridade sem atingir a organização do sistema ou suas relações
de propriedade e trabalho. A interferência social espírita, a nosso ver, não
alcançou o modo da organização da sociedade e, nisso, ele que era novidade,
tornou-se conservador. Mesmo nos seus começos alagoanos quando era aguerrido,
jamais criticou o modo da organização da produção, como se houvesse um distanciamento
seu, do modo de organização da sociedade.
Processo histórico
O fato é
que havia um processo histórico e um lastro cultural onde se desenvolvia. Nesse
tocante da construção nacional e dentro de uma visão confessional, comenta
Frauches:
“O Brasil
seria [...] campo fértil para a expansão do espiritismo [...] O Espiritismo não
se desenvolveu na França, mas no Brasil. Lá foi o berço propício aos
fundamentos da Doutrina Espírita. Aqui, a continuidade, o desenvolvimento, a
consolidação[iv].”
Há uma
dimensão que deve ser fortalecida nessa visão do espiritismo e a derivamos de
uma discussão aberta por Cavalcanti[v], quando diz que ele funda
“uma matriz de leitura e experiência do social”. Isso é fundamental para percebê-lo brasileiro
e alagoano; a sua leitura e a sua experiência, usando o velho dizer, será aqui
e agora, datada e situada. De fato, a chamada codificação – apesar de falar
sobre o fato espírita – termina por ser um modo de propor sobre a sociedade, no
que se transita pelo ético e pelo político, e é desta forma que se pode
acentuar proposições e atitudes, tudo, conforme pensamos, incidindo nas relações diretas e indiretas, mediatas e
imediatas com o poder conforme seus marcos locais.
Há um
projeto de sociedade na medida direta em que o espiritismo existe, devendo ser
discutido até onde ele foi, até onde está indo e até onde irá. As suas trocas
sociais vão bem mais além do que se resulta, por exemplo, em um centro ou em um
orfanato. O tempo espírita não corre diferente do tempo da sociedade e, com ela,
ele vai interagir e responder. Dessa forma, nós temos um espiritismo do tempo
brasileiro e do tempo alagoano em particular e sempre será assim.
Ao chegar a
Alagoas, o espiritismo não somente interage com a cultura e sociedade instaladas,
seus modos e formas de relações, mas a modifica na medida em que introduz uma
variante radical: o exercício de contestação quanto ao agrarismo que
prevalecia, embora viva a necessidade constante de pactuar e o seu tom ainda
formal de erudição sobreponha-se e o leve a estar ocupando espaços em
sugestivas áreas de poder como, por exemplo, a mídia. E, por outro lado,
funda-se a expressão, a nosso altamente preconceituosa, chamada de “baixo
espiritismo”.
Ele vai
buscar a legitimidade, estar legítimo para o senhorial em caminho que será,
essencialmente urbano, camadas médias e artistas como base demográfica
essencial. Essa aproximação a tais grupos é vista também em Priori[vi]. O fato é que temos um conjunto de intelectuais espíritas que
argumentam o espiritismo, pregadores públicos do espiritismo, vindos de setores
médios da população – que passa também pela maçonaria, embora com comportamento
diferenciado, mas não passa pelo protestantismo que se fará bem mais de perto
com as gentes empobrecidas pelo sistema.
Estamos
diante de um ideário consolidado que nos chega, mas que não pode ser
considerado exótico e, sim, integrado às raízes que estavam postas na estrutura
social. Uma determinada lógica desenvolvida culturalmente e não-kardecista estaria
apta a poder absorver o espiritismo kardecista e, mesmo, aquele que será
derivado da matriz afro-brasileira e se fará especialmente pela Umbanda. É nessa
base existente que se prevalece como força religiosa sobre a mundanidade
científica. O que se deveria investigar: a suficiência do espiritismo em
contestar o sagrado e a insuficiência de contestar a produção. Evidentemente o leitor estará sabendo o
contexto e significado que se está dando ao político aqui neste texto. Nada de
partidário, mas modo de inserção na polis, modo de encaminhar a res pública. Dizer que seu papel jamais
poderia ser uma interferência na polis seria argumentar o impossível: ele sim,
um espiritismo desencarnado. Há de se ver a discussão de um caminho aberto em
obra póstuma do próprio Kardeck, passando pelo francês da liberdade, igualdade,
fraternidade e do socialismo que argumenta León Denis e a possibilidade de
crítica aguçada à estrutura sugerida em Prefácio escrito por Freitas Nobre em
1982 para o texto mencionado de Denis[vii].
Estamos ao
chegar no século XX, com Alagoas convivendo com o moderno de muitos serviços e
circunstâncias. Mas não havia sido aberta uma categórica mudança no universo
senhorial e o espiritismo termina acomodando-se ao modo da sociedade, perde
força combativa como se taticamente preferisse – embora impossível – estar mais
para si do que para a sociedade. O poder da terra, o privilegiamento do mando a
partir da propriedade continua o mesmo, e este descontrole social da
desigualdade jamais será ferido no que lemos da época em Alagoas, pela produção
espírita. Haverá uma releitura de uma série de fatores, uma ressignificação,
mas sempre estará sendo implicada a busca da legitimação.
Visto
internamente para o mundo espírita, talvez essas implicações nem mesmo façam
sentido, mas não para uma história que deseje lê-lo criticamente, deixando o
aspecto confessional de lado e vendo as implicações culturais. Esse campo teria
de vê-lo pelo menos em três ligações e conjuntos próprios de atividade, na
medida em que se ampliasse a investigação histórica: um bloco intra
espiritismo, um bloco inter espiritismo e um bloco das articulações. Então,
ficariam claras as derivações políticas. Mas, que entra como força de
contestação do agrarismo, não resta dúvida. Assim, era um fator de modernização
ou, talvez melhor dizendo, de atualização da sociedade alagoana.
[i] Lumen. Maceió, 6 jan. 1908, p. 2.
[ii] Idem.
[iii]
SANTOS, José Luiz dos. Espiritismo: uma
religião Brasileira. Campinas: Editora Átomo, 2004, p. 16.
[iv]
FRAUHES, Celso da Costa. O mundo
espiritual, Kardeck e Chico Xavier. Digital Books Editora, 2013.
[v]
CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. O
Mundo invisível: cosmologia, sistema ritual e noção de pessoa no espiritismo.
Rio de Janeiro: Centro Edelsteins de Pesquisa Social, 2008.
[vi]
PRIORI, Mary del. Do outro lado: história
do sobrenatural e do espiritismo. São Paulo: Editora Planeta do Brasil,
2014.
[vii]
NOBRE, Freiras. Prefácio. Acessado em http://www.autoresespiritasclassicos.com/leon%20denis%20livros/Socialismo%20e%20Espiritismo/L%C3%A9on%20Denis%20-%20Socialismo%20e%20Espiritismo.htm.
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