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domingo, 13 de dezembro de 2015

A crônica e a poesia de uma favela de barro

este material foi publicado em campus/o dia


FAVELA DE BARRO
Djalma Araújo

              

 Vejo na favela de barro gente humilde, crianças, jovens e adultos. A pobreza na minha favela é imensa. Na maioria dos barracos feitos de madeira e barro,  não tem água encanada, luz e muitas donas de casa cozinham a lenha.
               Pois os fogões ainda não puderam comprar. Levam uma vida sufocada por motivos financeiros.  A humilhação é grande para quem vive na favela, pois a água tem que buscar no chafariz,  lata d’água na cabeça, muitas vezes subir e descer ladeira.
               Escuto a lamentação do meu povo tão sofrido, muitos irmãos sem profissão especializada são submetidos  ao trabalho pesado ganhando um salário mínimo mensal.
               Vejo as crianças sujas e sem calçados, nuas por não terem roupas. A doença que se alastra é por não termos um saneamento de esgoto. Este que desce, passando a porta dos barracos provocando lamaçais...  Muitos barracos têm a cobertura de telhas de amianto. A temperatura é imensa.
               Às vezes fico admirando as jovens que são bonitas. O futuro delas está longe, pois as que  conheço são todas analfabetas.
               Um certo dia estava conversando com um jovem de 17 anos, ele carregando  água em latas em cima de um carrinho de mão. Perguntei a ele se estudava e ele me respondeu que não. Fiquei pensando no futuro do jovem, aconselhei-o a estudar.
               Na minha Favela de Barro a maioria dos moradores são analfabetos. Na esquina da Favela, mora um casal com três filhos pequenos, o homem magro com rosto pálido, de olhos grandes, a barriga lá dentro. Ele está desempregado, vejo claramente que eles passam fome.
               Um outro dia estava no meu barraco quando a mulher chegou me pedindo um pouco de arroz. Dizia-me ela que a criança de dois anos estava com fome. Já passara do meio-dia, eu fiquei a pensar no futuro do meu povo favelado. Servi-a com arroz e feijão, era só o que podia oferecer.
               No bar da minha favela vejo que os homens bebem para esquecer da vida que levam. Olhando para cada um percebemos que no olhar sofrido, desejam viver uma vida melhor. Mas o salário que ganham, só dá para beber pinga, porque a famosa cerveja não dá.
               Os jovens gostam muito de música. A música preferida do meu povo é o reggae, samba. Os mais idosos gostam de ouvir forró, samba e música sertaneja. É uma vida de cão que muitos vivem. Quando falta água no chafariz,  a agonia é maior. Muitos procuram água num velho cacimbão. A água é barrenta e amarelada.
              
Um fato que doeu em mim



               Era um dia de domingo às 11:00hs da manhã. Estava no meu barraco quando ouvi uns gritos na rua estreita. Uma cena brutal se passava: um pai que não soube educar os filhos. O jovem totalmente embriagado nem se quer podia equilibrar-se sentado, o velho mandava que o jovem se levantasse aos gritos.
__ Levante-se cabra safado, você nunca me viu beber! Vamos para casa.
               O jovem de dezesseis anos não conseguia se levantar. O pai batia no rosto do filho, esmurrava e o povão assistindo a cena. O jovem levantou e correu em direção de um sítio, enganchando-se em arames farpados. O pai correu atrás do jovem esmurrando, jogando pontapés, puxando o jovem por cima do arame farpado e jogando-o no córrego que escorria água suja.
Eu estava assustado, foi aí que cheguei e falei ao pai.
__ “Seu” William seu filho está bêbado! Ele não vai conseguir chegar em casa desse jeito.
“Seu” William olhou pra mim e respondeu.
__Eu nunca bebi!... Estou dessa idade e nunca coloquei uma pinga na boca.
Respondi a ele.
__ “Seu” William, ... não é todo filho que puxa ao pai. Vamos carregá-lo pois só assim chegará em casa.
               “Seu” William não me ouvia e novamente mandava o jovem levantar-se. Ele respondia que não levantaria. O pai esmurrava, chutava... Foi quando chegaram mais dois amigos e conseguimos afastar o “seu” William. Levantamos o jovem e os dois amigos o conduziram para casa, nos braços. Na Favela de Barro acontecem coisas que nos deixa marcas profundas, lembranças  inesquecíveis.
O inverno chegou
               A chuva que cai ameaça derrubar a barreira. O povo fica com medo e apreensivo, desesperado, a mulher desci a ladeira com a cesta de feira na cabeça, o homem escorrega e cai, a ladeira está escorregadia, o menino nú na beira da estrada, o esgoto a céu aberto transmitindo doenças.
               Um dos fatos que mais entristece os moradores é quando os policiais descem a favela revistando os moradores com a maior estupidez. Eles não sabem distinguir os trabalhadores dos bandidos  e para eles todos são iguais [...].

A multidão fica com medo



               Mas o domingo é o grande dia esperado, o futebol é uma das maiores diversões da favela. O clássico maior é entre Barcelona e Vasco, quem ganha faz a festa, quem perde fica triste desolado. É assim a vida na Favela de Barro. 
               Já se passaram mais de quinze anos. Eu continuo morando na minha Favela de Barro, durante esses longos anos,  já vi nascer e também morrer. A Favela de Barro continua perigosa, por outro lado melhorou muito, já tem água encanada, luz para iluminar o meu quixó.  Às vezes estamos dormindo e no meio da  noite ouvimos tiros e mais tiros; no amanhecer sabemos logo o que aconteceu, de certo alguém morreu.
               Eu mesmo tenho medo: subo e desço a ladeira, eu, vou pro meu trabalho e volto. Tanto a policia como os bandidos têm o mapa da Favela. O filho menor daquela mulher que me pediu comida assim que cheguei na Favela foi morto com dois tiros na cabeça lá perto do mercado; não estudou, não quis nada com a vida, apenas roubar. Por aqui já passaram vereadores, prefeitos, políticos em geral, alguns fizeram poucas coisas. Muitos clubes de futebol acabaram, os craques de bola já não são os mesmos. Quantos amigos bons já morreram, outros até mesmo suicidaram-se. A vida na Favela de Barro vai seguindo o rumo que pode,  do jeito que ela é...


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