FAVELA DE BARRO
Djalma Araújo
Vejo na
favela de barro gente humilde, crianças, jovens e adultos. A pobreza na minha
favela é imensa. Na maioria dos barracos feitos de madeira e barro, não tem água encanada, luz e muitas donas de
casa cozinham a lenha.
Pois os
fogões ainda não puderam comprar. Levam uma vida sufocada por motivos
financeiros. A humilhação é grande para
quem vive na favela, pois a água tem que buscar no chafariz, lata d’água na cabeça, muitas vezes subir e
descer ladeira.
Escuto a
lamentação do meu povo tão sofrido, muitos irmãos sem profissão especializada
são submetidos ao trabalho pesado
ganhando um salário mínimo mensal.
Vejo as
crianças sujas e sem calçados, nuas por não terem roupas. A doença que se
alastra é por não termos um saneamento de esgoto. Este que desce, passando a
porta dos barracos provocando lamaçais... Muitos barracos têm a cobertura de telhas de
amianto. A temperatura é imensa.
Às vezes
fico admirando as jovens que são bonitas. O futuro delas está longe, pois as
que conheço são todas analfabetas.
Um certo
dia estava conversando com um jovem de 17 anos, ele carregando água em latas em cima de um carrinho de mão.
Perguntei a ele se estudava e ele me respondeu que não. Fiquei pensando no
futuro do jovem, aconselhei-o a estudar.
Na minha
Favela de Barro a maioria dos moradores são analfabetos. Na esquina da Favela,
mora um casal com três filhos pequenos, o homem magro com rosto pálido, de
olhos grandes, a barriga lá dentro. Ele está desempregado, vejo claramente que
eles passam fome.
Um outro
dia estava no meu barraco quando a mulher chegou me pedindo um pouco de arroz.
Dizia-me ela que a criança de dois anos estava com fome. Já passara do
meio-dia, eu fiquei a pensar no futuro do meu povo favelado. Servi-a com arroz
e feijão, era só o que podia oferecer.
No bar
da minha favela vejo que os homens bebem para esquecer da vida que levam.
Olhando para cada um percebemos que no olhar sofrido, desejam viver uma vida
melhor. Mas o salário que ganham, só dá para beber pinga, porque a famosa
cerveja não dá.
Os
jovens gostam muito de música. A música preferida do meu povo é o reggae,
samba. Os mais idosos gostam de ouvir forró, samba e música sertaneja. É uma
vida de cão que muitos vivem. Quando falta água no chafariz, a agonia é maior. Muitos procuram água num
velho cacimbão. A água é barrenta e amarelada.
Um fato que doeu em mim
Era um
dia de domingo às 11:00hs da manhã. Estava no meu barraco quando ouvi uns
gritos na rua estreita. Uma cena brutal se passava: um pai que não soube educar
os filhos. O jovem totalmente embriagado nem se quer podia equilibrar-se
sentado, o velho mandava que o jovem se levantasse aos gritos.
__ Levante-se cabra safado, você nunca me viu beber! Vamos
para casa.
O jovem
de dezesseis anos não conseguia se levantar. O pai batia no rosto do filho,
esmurrava e o povão assistindo a cena. O jovem levantou e correu em direção de
um sítio, enganchando-se em arames farpados. O pai correu atrás do jovem
esmurrando, jogando pontapés, puxando o jovem por cima do arame farpado e
jogando-o no córrego que escorria água suja.
Eu estava assustado, foi aí que cheguei e falei ao pai.
__ “Seu” William
seu filho está bêbado! Ele não vai conseguir chegar em casa desse jeito.
“Seu” William olhou
pra mim e respondeu.
__Eu nunca bebi!... Estou dessa idade e nunca coloquei uma
pinga na boca.
Respondi a ele.
__ “Seu” William,
... não é todo filho que puxa ao pai. Vamos carregá-lo pois só assim chegará em
casa.
“Seu” William não me ouvia e novamente
mandava o jovem levantar-se. Ele respondia que não levantaria. O pai esmurrava,
chutava... Foi quando chegaram mais dois amigos e conseguimos afastar o “seu” William. Levantamos o jovem e os dois
amigos o conduziram para casa, nos braços. Na Favela de Barro acontecem coisas
que nos deixa marcas profundas, lembranças inesquecíveis.
O inverno chegou
A chuva
que cai ameaça derrubar a barreira. O povo fica com medo e apreensivo,
desesperado, a mulher desci a ladeira com a cesta de feira na cabeça, o homem
escorrega e cai, a ladeira está escorregadia, o menino nú na beira da estrada,
o esgoto a céu aberto transmitindo doenças.
Um dos
fatos que mais entristece os moradores é quando os policiais descem a favela
revistando os moradores com a maior estupidez. Eles não sabem distinguir os
trabalhadores dos bandidos e para eles
todos são iguais [...].
A multidão fica com medo
Mas o
domingo é o grande dia esperado, o futebol é uma das maiores diversões da
favela. O clássico maior é entre Barcelona e Vasco, quem ganha faz a festa,
quem perde fica triste desolado. É assim a vida na Favela de Barro.
Já se
passaram mais de quinze anos. Eu continuo morando na minha Favela de Barro,
durante esses longos anos, já vi nascer
e também morrer. A Favela de Barro continua perigosa, por outro lado melhorou
muito, já tem água encanada, luz para iluminar o meu quixó. Às vezes estamos dormindo e no meio da noite ouvimos tiros e mais tiros; no amanhecer
sabemos logo o que aconteceu, de certo alguém morreu.
Eu mesmo
tenho medo: subo e desço a ladeira, eu, vou pro meu trabalho e volto. Tanto a
policia como os bandidos têm o mapa da Favela. O filho menor daquela mulher que
me pediu comida assim que cheguei na Favela foi morto com dois tiros na cabeça
lá perto do mercado; não estudou, não quis nada com a vida, apenas roubar. Por
aqui já passaram vereadores, prefeitos, políticos em geral, alguns fizeram
poucas coisas. Muitos clubes de futebol acabaram, os craques de bola já não são
os mesmos. Quantos amigos bons já morreram, outros até mesmo suicidaram-se. A
vida na Favela de Barro vai seguindo o rumo que pode, do jeito que ela é...
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