ESTE MATERIAL FOI PUBLICADO EM CAMPUS/O DIA
A artista plástica que
pinta histórias
Pedro Cabral
Artista plástico, arquiteto, professor universitário
Afirmo que Myrian Almeida talvez seja uma das poucas artistas
plásticas criadora no mundo de personagens em suas telas. A mocinha tímida e um
gato. Eles estão quase sempre presentes em seus quadros como se uma história
fosse contada. Não chega a ser histórias
de quadrinhos, antes, conta toda uma história num só quadro. E cada obra situa
o observador num cenário onde se depreende todo um sentimento vivido e que
precisa ser contextualizado, situando-o no tempo e no espaço.
Ela ama a natureza. Ela é bucólica com toda a carga de um
romantismo sonhado. Ela não demora em representar essa natureza. Um azul e um
verde matissianos, sintetizados por ele em La
Danse, definem o céu e o solo que devem ser sempre do azul mais primavera e
do verde mais campestre. Uma linha curvilínea e suave é suficiente para definir
o morro, demarcando o horizonte do olhar que descansa na varanda. Sempre um
ambiente aberto, amplo, natural. O cenário é também uma personagem na obra de
Myrian. E conta o sentimento por que passa.
E a mocinha, que me parece tímida, mas dotada de
extraordinária vontade de buscar a vida, é a personagem marcante. Ela
praticamente não tem rosto definido, muitas vezes de costas, mas sua silhueta a
identifica, complementada por um chapéu, uma sombrinha e uma mala. E de quebra
um gato que a acompanha com a mesma fidelidade de um cão.
Pronto! Ora a mocinha olha o universo de sua janela - o
gatinho também olha -, ora a mocinha está decidida a partir, simbolizada pela
mala e pela sombrinha. E nessa viagem para um mundo indefinido, ela senta num
banquinho da praça olhando talvez a cidade, mas sem rosto e com o gatinho de
costas para o urbano e voltado para as árvores. Saudades, nostalgias,
aconchegos distanciados.
São obras diferentes com os mesmos personagens e apetrechos
identificadores do personagem. Uma história sem fim. Uma novela da alma. Uma
arte representativa da vida. O amor por um campo possivelmente maltratado, por
isso a nostálgica partida.
Myrian, nesse momento, marcou seu estilo. Tanto na novidade
temática em série, quanto nos traços colados, cuja simplicidade - objetivo dos
grandes artistas, cientistas e poetas -, nos apresenta com a leveza da solução,
como se fosse fácil fazer algo tão difícil para os outros. Ela já nasceu com
seu estilo.
Mas Myrian perambula também com sua sintaxe pictórica por
entre flores e madonas. De uma peça parecida com uma gota alongada, ela adota o
processo da repetição compondo flores coloridas, leques românticos, painéis
demarcadores. E se acerca das madonas, expressando seu lado religioso. Suas
homenagens ao transcendental. Por isso, não se pode perder a oportunidade de
ver, de sentir, de ter uma dessas histórias guardadas pela artista, feitas com
toda a expressão harmônica de uma poesia.
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