Este material foi publicado em Campus/O Dia, Maceió, Alagoas
Este número de
Campus é uma homenagem ao amigo Francisco Ferraz, cigano recentemente falecido
no rancho de Carneiros.
Calon. Gitanos a Alagoas, Brasil. Gypsies in Alagoas, Brazil. Tsiganes en Alagoas, Brésil. Zingari in Alagoas , Brasile. Zigeuner in Alagoas, Brasilien. Țiganii din Alagoas, Brazilia
Os ciganos Calon em
Carneiros nas Alagoas (iii)
Leila Samila Portela de Morais é formada em
Ciências Sociais, Licenciatura pela Universidade Federal de Alagoas,
especialista em Antropologia e mestranda pela mesma instituição. Como
especialista defendeu a monografia intitulada “Veio a ordem de andar”: espaço e
família entre os ciganos Calon no município de Carneiros/AL”. Aproximou-se dos
estudos sobre ciganos ao integrar, como bailarina, o grupo de música e dança
cigana LeshjaeKumpanja. É professora de Sociologia no Ensino Médio na rede
estadual de educação de Alagoas. Tem se dedicado aos estudos sobre etnicidade,
processos identitários e desenvolvimento turístico.
Este trabalho de Leila
é um resumo de texto que escreveu e defendeu para título de especialista na
área de Antropologia. É inédito e trata de assunto virgem em Alagoas: nossos
ciganos, aqueles que estão aqui conosco. No caso, Leila estuda e informa sobre
os Calon que se encontram na cidade de Carneiros, adentrada no oeste alagoano.
Preferimos que o texto
não contivesse um largo trato teórico, sendo bem mais informativo nesta sua
versão para nosso suplemento. Pela sua importância, por trabalhar a
diferenciação de uma etnia, por estar contra uma ordem de preconceitos,
publicaremos o trabalho de Leila em quatro números.
Trata-se de uma jovem e
pesquisadora e que muito poderá contribuir nas discussões sobre Alagoas. Foi orientada pela professora (doutoranda)
Jordânia Souza. Fomos com autorização da
autora, responsáveis pela preparação do texto para jornal. Havendo erro, a
responsabilidade é nossa.
Luiz Sávio de Almeida
O município de
Carneiros – um pouso em meio aos Juron (III)
Leila Samila Portela de Morais
A
importância de “parecer cigano” e o comportamento envolto no modo de “Ser
Calin”.
Existem códigos de
condutas que mostram a maneira de “ser cigano”: “vocês vê de longe um cigano
verdadeiro” argumenta Seu Francisco. “Parecer cigano” é muito importante, são
constantes as observações: “isso aí não parece cigano”, “e isso é cigano?”
Falam algumas Calin ao verem as fotos de outros ciganos mostradas por nós do
Grupo Leshjae. Dessa forma, ser e parecer, longe de ser oposição como às vezes pensamos,
são coisas complementares. Nesse contexto, se comportar como cigano não se
revela só nas ações do indivíduo, mas também no seu corpo. Dessa forma, as
roupas; os acessórios; o ouro nos dentes; o uso do chapéu; das botas; dos
vestidos longos; coloridos com fitas e rendas; o pente preso no alto da cabeça;
os cabelos longos; o tecido de cor azul usado pela Calin que ficou viúva, tudo
isto demonstra uma identidade Calon. “Cigano é cigano, se veste de cigano, mostra
o que é... eu sou cigana e visto roupa de cigana... que mostra o respeito... a
moral...” (Meire Esmeralda).
O uso da roupa pela
mulher cigana transcende fatores somente estéticos, demonstrando uma forma de
sociabilidade, de se portar no mundo, de ser cigana e ser mulher. As roupas
fazem dela o que ela é e seu uso marca a passagem para uma vida de responsabilidades.
Como afirma Miller (2010) “as roupas estão entre nossos pertences mais
pessoais. Elas constituem o principal intermediário entre nossa percepção de nossos
corpos e nossa percepção do mundo exterior”. (p. 38).
O
controle sobre as Calin
O controle sobre o
corpo da mulher é algo forte entre os Calon. A mulher possui o papel de guardar
e zelar pela honra de toda família. Ferrari (2011) argumenta que a noção de
vergonha Calon é conceito chave para entender a conceitualização que os ciganos
fazem sobre os gadjes. Essa vergonha é ligada ao gênero, ou seja, a vergonha do
homem depende da vergonha das mulheres.
[...]
diferença entre os calon e os gadjés está intimamente associada aogênero. A
vergonha do homem depende da vergonha de “suas mulheres”, a esposa e as filhas,
e sua ação foca-se no controle destas. No imaginário calon, a mulher gajin
constituiria o extremo da indecência, impureza e da liberdade, enquanto a
mulher calin, oextremo da vergonha, pureza e “escravidão”. O controle do
corpofeminino aparece como o grande divisor entre as duas moralidades, a gadjé
e a calon. É por meio de uma performance corporal feminina adequada que se
constrói o ethoscalon. (p. 40).
Devemos lembrar que,
conforme salienta Ferrari, a vergonha não só diz respeito às restrições sobre o
corpo feminino, mas também à “responsabilidade”, “bom caráter”, “bom
procedimento” dos Calon em geral. Ouvi constantemente no rancho em Carneiros os
discursos em torno da “nossa honra”, “nossa moral”, “nossa vergonha”.
A “vergonha”, a “moral”
varia de acordo com as famílias, isto é, o que pode ser vergonha para uns, pode
não ser para outros, usar roupas de alça, por exemplo, é considerado vergonha
para os Calon em Carneiros. Ao falar sobre as roupas das Calin, Seu Francisco
salienta que “é da nossa tradição... a mulher tem que ser composta... você vê que
é uma cigana de longe e deve ser assim... não deve vestir igual à
brasileira...”. As Calin me contam que não usam roupa de alça, short curto “nós
temos vergonha”. “Não adianta usar short e roupa de alça se todo mundo sabe que
somos ciganas pela nossa fala, nossa moral... a roupa é pra nossa moral... tem
que tá composta, bem vestida, entende?” revela Neide. Sua fala mostra a relação
íntima entre ser e parecer para os Calon “tudo da cigana é com respeito...
respeito pra família, pro marido, pro sogro, pros irmão, pros tio, pros primo, pra
tudo... a roupa de cigana é respeito, é composta... tenho vergonha... não usa
calça, short... só as menina pequena... depois tem que dá o respeito... é assim,
tá entendendo? Tudo da cigana é no respeito” (Vilma)
A “vergonha”, a
“moral”, a “honra” Calon se sustenta na forma de “parecer cigano” e também na
forma de “se comportar como cigano”, “nosso modo”, “nossa tradição” está em oposição
ao modo de ser dos “brasileiros”, dos “juron”, “sem moral”, “prostituído”.
Dessa forma, o contato (principalmente das mulheres) com o mundo dos juron deve
ser evitado, ir à escola, por exemplo, é alvo de desconfiança e controle. Os
irmãos e primos das meninas Calin exercem esse papel dentro da escola, Miranda
(16 anos) me conta que tem duas amigas na escola e que elas podem frequentar o
rancho, se quiserem, porém pra ela frequentar a casa das amigas, só com a
companhia do irmão. A mãe de Miranda, Jane, me fala que muita aproximação com
os juron, principalmente nessa idade (se referindo à filha de 16 anos), pode
ser perigoso “a gentetem que tá de olho... não pode se engraçar... se não for
assim, não vai mais pra escola...”. Ela me conta que “faz gosto” de a filha
estudar “não quero a vida dela levando sol e chuva, sem saber ler, escrever...
pelo pai dela, ela já tava casada, mas eu vou levando e ela vai terminar os
estudos”. Miranda me fala que a “cabeça” de seus pais (Jane e Moisés) é
diferente dos outros Calon “pela minha idade já era pra eu ta casada... como eu
não quero, eles aceita”.
Casamentos
No rancho de Carneiros,
os casamentos de ciganos com não ciganas são comuns. Somente os homens podem se
casar com não ciganas. De acordo com eles, a Calin que se casar com um juron
“não é mais cigana”. As jurin que decidem casar com ciganos e viver como Calin,
passam a pertencer àquele núcleo familiar e encontram na sogra uma figura de
grandeimportância na construção dessa nova postura diante do mundo. A sogra é
aquela queensina e ajuda, mas, ao mesmo tempo, exerce grande controle e pressão
sobre a moça, afinal, ela tem a capacidade de “envergonhar” a família e a sogra
torna-se responsável pelo comportamento da nora.
Dentre as brasileiras
casadas com Calon que moram no rancho, conheci Fabiana. Ela é baiana, conheceu
Gilvan, sobrinho de Nega lá em Feira de Santana. Apaixonaram- se e no modo
cigano, que segundo eles é “de repente” “bem apressado... cigano não namora,
não tem paciência...”, logo se “juntaram” e Fabiana “tá aprendendo a ser cigana”.
Ela me conta que foi criada pela sua mãe para casar, cuidar da casa e do marido,
então, não foi problema pra ela largar uma vida de solteira pra “lavar, passar,
cozinhar pro marido...” como as Calin fazem. O que Fabiana julga difícil “não é
vestir as roupas e morar em barraca... é não poder andar como andava... tudo
mudou ligeiro demais... é difícil se acostumar... eu não mando na minha casa...
não posso me descuidar de nada... tudo é motivo pra dizer que tenho preguiça.”.
Observei que neste processo de inserção no grupo, via casamento, a mulher é
alvo de uma maior fiscalização.
Nessa fala, Fabiana se
refere à sua sogra, “é ela que manda... pra ela eu não lavo direito, não passo
direito...”. As tarefas que Fabiana sempre foi acostumada a fazer como
brasileira (lavar, passar, cozinhar, cuidar da casa) agora terão que ser feitas
do modo Calon, sua sogra é a responsável a ensiná-la a “ser Calin”. Mesmo ressaltando
a dificuldade, Fabiana completa, “mas não me queixo, ela (a sogra) me ajuda,
faz companhia... já to mais acostumada... antes foi mais difícil... muito,
muito...”. Fabiana me conta que teve que aprender outra forma de se comportar,
de se dirigir aos homens, de falar com o sogro, de andar pelo rancho, etc.
Tanto Fabiana quanto Sielma me falaram que ela “tá aprendendo a ser cigana”,
“tá pegando...”.
Concordo com Ferrari
(2010) quando defende a tese de que a calonidade é feita no presente, a pessoa
Calon, portanto, é fruto de um longo e contínuo processo de construção e de
diferenciação em relação aos gadjes (p. 166). Para a autora, o foco da calonidade
está na ação, não no resultado. Da mesma forma, os Calon enxergam os gadjes, ou
seja, “um gadje não se define por uma ‘essência’, mas é, antes, um sujeito em relação,
passível de transformação. Um gadje que empreende o processo de ‘virar’ calonestá
sempre em ‘processo’, um movimento constante que jamais se efetiva totalmente.”
(p. 36). O inverso também acontece, um Calon pode virar gadje. Isso acontece
quando ele deixa de “parecer cigano” e passa a ser comportar como “juron”, pois
isso, o controle, principalmente entre os mais jovens quando começam a
frequentar lugares de juron como a escola, por exemplo. Nas falas dos Calon
conseguimos enxergar o que é se comportar como um juron: “não ter moral”, viver
longe da família, se submeter a um emprego formal, dentre outros elementos. Pensando
um pouco sobre este modo de ser, gostaria de destacar que o casamento no rancho
é uma das mais importantes festas e reúnem até os parentes mais distantes
O
casamento dura dois dias... no primeiro dia tem a matança do boi...a gente pega
o boi, mata o boi e faz churrasco, cozinha, assa e vai beber e dançar... aí no
outro dia já é o casamento... a noiva se arrumacom outra roupa... nesse dia é o
casamento mesmo... feito pelo padre... depois tem outra festa. [...] Tem vestido
de noiva, banda e cantor, nós bebe, dança nos 2 dias. (Miranda).
Os casamentos são
acertados entre as famílias; os gastos com a festa são divididos, o primeiro
dia a responsável é a família do noivo, no segundo dia, a família da noiva. A
casa é “montada” pela família que compra fogão, geladeira, cama, tudo que existe
na barraca. Os novos casais, de acordo com eles, sempre arrancham junto à
família do marido. Embora os casamentos aconteçam logo cedo e sejam frequentes,
as separações também o são. Segundo Vanda, “se não dá certo, acaba... melhor
que ta sofrendo...”. Entre eles, a violência doméstica é bastante repreendida
e, segundo as Calin, já foi motivo de muitas brigas e até mortes nas famílias
“o pai não aceita que judia das filhas... se tá judiando a gente vai e pega de
volta...”. É muito comum, o pai da Calin ameaçar “pegar de volta” a filha quando
briga com o genro ou com sua família. Isso é motivo de muitas brigas, intrigas
e fofocas no rancho. Os tratos feitos sobre o casamento dos filhos também são
bastante delicados, podendo ser desfeitos a qualquer momento (o que eles chamam
de “distrato”), por isso é muito importante que a moça não tenha contato com o
noivo, pois “se distratar não arruma mais casamento... nenhum cigano vai
querer...”, afirmam.
O
cotidiano das Calin
As mulheres dedicam
seus dias a cuidar das crianças, da limpeza e manutenção da barraca e na ajuda
aos parentes, principalmente da sogra. Elas não podem trabalhar fora, a única
atividade que podem exercer é a leitura da sorte. Além da leitura da sorte, realizada
pelas mulheres, em Carneiros, existe a venda de patuás, cada patuá é confeccionado
de acordo com uma reza específica para cada mal, como: inveja, mal olhado, para
abrir os caminhos, saúde etc., elas também costumam pedir mantimentos nas
feiras ou de casa em casa. Contudo essas atividades, não são realizadas na
feira da cidade “não gostamos que seja aqui... é melhor nas outra feira”; “nós
pedimos em Tapera, em Olho D’água, Santana... aqui não pedimosnão...”. Só há atendimento
dentro do rancho, ou seja, quando as pessoas da cidade as procuram para ler a
sorte, abrir o baralho cigano ou pra pedir algum tipo de reza, banho, trabalho,
etc. Acompanhei as Calin nas atividades domésticas, elas trabalham o dia
inteiro, lavam roupas e louças, buscam água (na única torneira existente na
entrada do rancho) e lenha para cozinhar; mantém a barraca limpa; cuidam das
crianças; fazem a comida; cuidam dos maridos etc.
A fala de Lilian mostra
um pouco o dia a dia das Calin
“aqui só quem faz as
coisa é a mulher...tem que aprender de pequena... pegar água, lenha,
cozinhar... o homem não faz nada pra mulher não... nem comida pra eles comer...
nem a comida no prato eles botam... não tira a comida da panela não... cigano é
assim... não tendo aquela mulher pra fazer a comida, ele passa o dia morrendo
de fome, mas não faz... não faz um café... nada... é tudo eu... aqui tudinho é
assim.”
A figura da mulher é
essencial na visão dos Calon “uma boa mulher acerta a vida do homem, o homem
tem que cuidar, proteger, não judia, não maltrata” diz SeuFrancisco. As
mulheres demonstram consciência de sua importância no rancho: “os homens não
trabalham não... só as mulheres... aqui eles não fazem nada... não pode... se não
tem mulher eles não vivem... não sabe, entende? Precisam de ter mulher pra
fazer as coisa, pra cuidar... pra fazer o comer” diz Nega. “Se tiver com saúde
é nós que faz... se tiver doente é nós que faz... vida de cigana é essa... tudo
depende das mulher aqui, tudo” completa Turista.
Elas dizem que sem a
mulher não existe família, não existe o “comer”, não existe a limpeza do
rancho. As mulheres são vistas como essenciais na organização social cigana e
sabem visualizar esse papel, ouvi algumas vezes ameaças de saída das mesmas
“vou embora, quero vê como vocês vive”, elas usam essa “dependência” que os
homens possuem em relação a elas. E os laços com a família sustentam esse
“poder”, uma Calin não pensa duas vezes em avisar pra sua família (pai, mãe,
irmãos), caso estiver sendo “judiada” pelo marido e pela família dele. Esse foi
um dos motivos da maioria das brigas que ouvi falar no rancho, em minha estada
foram contadas histórias de separação de família, de brigas violentas e até de
mortes por causa da “judiação” das mulheres.
Os homens e o “rolo”
Os
homens trabalham fazendo “rolo” nas diversas feiras localizadas tanto em
Carneiros (feira tradicional aos domingos) quanto nas outras existentes nas
cidades vizinhas como Senador Rui Palmeira, São José da Tapera, Olho D’água das
Flores etc. Os Calon negociam os animais que criam no rancho (galos, galinhas,
passarinhos), vendem diversos tipos de aparelhos.Durante a semana (terça-feira)
também existe uma feira pequena em Carneiros que os Calon frequentam para
negociar.
É
no bom desempenho no “rolo” que se demonstra valores importantes na construção
do “homem Calon” como força e esperteza. Negociar é algo que o menino aprende
por volta dos 13 anos de idade quando começa a frequentar as feiras e fazer as viagens
acompanhados do pai, irmãos e tios, dentre outros parentes. É nesse período que
a maioria dos meninos deixam de frequentar a escola. O conhecimento escolar não
garante ao menino ser um bom negociador, por isso frequentam a escola para
“aprender fazer conta... pra não ser enrolado pelo juron...”. Turista me diz:
“cigano tem que saber fazer rolo... rolo bom... cigano sabe se virar... só não
pode tomar prejuízo”. O homem inábil para o rolo é considerado fraco.
Os
Calon fazem grandes viagens para “fazer rolo... pra negociar”, essas viagens duram
em média de 1 a 2 meses. Eles sempre viajam em família, ficam na casa de parentes
ou em pousadas. Nessas viagens são realizados “rolos grandes”. Já os pequenos
rolos são realizados na feira de Carneiros e das cidades vizinhas. Em geral eles
vão pra feira negociar aos domingos e nas terças-feiras, durante os outros dias
da semana ficam no rancho, resolvendo problemas cotidianos no acampamento ou na
cidade, “jogam conversa fora”, ouvem música sertaneja, bebem, jogam dominó,
tocam violão “não trabalha todo dia”, “a vida de cigano é mais divertida, mais
alegre”. Quando pergunto as Calin se os homens trabalham, elas me respondem que
não, “eles viaja!”. Deste modo, me pareceu que a nossa concepção de trabalho
com horário fixo, todos os dias e subordinado a alguém é alheia à visão de
mundo Calon.
Através
das viagens para “fazer negócio”, o homem Calon reforça sua identidade e seus
laços familiares, o emprego fixo o qual se submete o juron, é visto como algo
negativo, que afasta os Calon da convivência familiar e um calon sem estar envolto
aos afetos e relações familiares deixa de ser Calon. Ferrari (2010) analisa
otermo “sozinho” falado recorrentemente pelos Calon ao se referirem às relações
dos nãociganos. Somos conscientes que o cigano enxerga o mundo externo como
perigoso e preconceituoso isso faz com que o coletivo exerça uma função
protetora, porém, a análise do “sozinho” pode revelar algo além dessa função
mais óbvia, segundo a autora:
“A
ideia de “sozinho”, sempre ligada ao gadje, contrasta com a noção de pessoa
calon imersa numa rede de relacionalidade. Um calon não é nunca calon sozinho.
Sua calonidade depende, como venho mostrando, de um “fazer-se calon”, que
envolve por sua vez uma estética “diferenciante”, um modo particular de ser
homem e de ser mulher, e um fluxo de afetos que tenciona as relações. Estar
fora dessarede de pessoas, coisas e afetos é estar fora da vida calon; é, no
limite, ser gadje. A pessoa que assume uma independência, que se vê “livre” da
expectativa dos seus, e que é capaz de conduzir sua vida para fora dessa rede, é
vista como uma pessoa autônoma, em ultima análise, uma pessoa gadje. Tudo se
passa como se nessa equação o gadje“jogasse” com a noção de “individuo”, que é
contudo interpretada pelo calon sob o signo negativo do “sozinho”. (p.200-201).
Referencias
FERRARI, Florência. O
mundo Passa: Uma etnografia dos Calon e suas relações com os brasileiros. São
Paulo, 2010. Tese (Doutoramento em Antropologia Social) – Universidade de São
Paulo. 2010.
MILLER, Daniel. Trecos,
troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material. Ed. Zahah –
RJ, 2010.