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terça-feira, 24 de junho de 2014
NDVSD/CESMAC. Roda de concersa. A crise do açúcar: economia e política em Alagoas
Pare, olhe, escute!
Um belo debate
Parte II
https://www.youtube.com/watch?v=VtCee_4JtUo&feature=share
Parte I
https://www.youtube.com/watch?v=x-xBZGfKdtQ&feature=share
Arqueologia: Alagoas no tempo do Império
Este texto foi publicado em Espaço, suplemento de O Jornal, editado em Maceió. A publicação foi em 01 de novembro de 2010.
Luana Teixeira é
mestre em história cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Desenvolveu pesquisas sobre história social e historiografia do século XIX.
Atuou junto a comunidades remanescentes de quilombos e estuda a história dos
quilombos no Brasil. Nos últimos dois anos vem desenvolvendo pesquisa em
Alagoas sobre patrimônio arqueológico através do Programa de Especialização do
Patrimônio/Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Também tem se dedicado à pesquisa sobre as igaçabas de Palmeira dos Índios e o
Museu Xucurus.
Umas poucas palavras
Arqueologia nas Alagoas, o material dos Palmares
Luiz Sávio de Almeida
Espaço deseja louvar a iniciativa tomada por Luana, ao
entregar ao público de Alagoas uma parte de suas pesquisas; é assim que faz o
intelectual público, aquele que dialoga com o povo. Ela partilhou conosco uma
parte do que pensa, realizando uma revisão dos trabalhos arqueológicos
realizados em Alagoas na área do Império. Deve ser dito que Alagoas pouco avançou
neste campo, apesar das oportunidades acontecidas nas últimas décadas, mormente
com a pesquisa na área de Xingó. Chegou a existir um certo avanço na
Universidade Federal de Alagoas, com pesquisas realizadas na Serra da Barriga e em fortim holandês; basicamente
nada se tem sobre o Xingó, tudo sendo capitaneado por Sergipe.
Eu não entendo da legislação, mas parece-me que o material
pertence à União e é supervisionado pelo IPHAN, estando sob a guarda da
UFAL. De muito já deveria ter sido
preparado um local digno para se colocar o que foi descoberto e de muito já se
deveria ter publicado material sobre o que a UFAL produziu diretamente ou sob
sua responsabilidade. Talvez seja a hora da Universidade Federal de Alagoas
providenciar um projeto para a exibição dessas peças. Sem dúvida, junto com o
IPHAM dará um belo retorno à comunidade. É preciso que se saiba onde esta a
peça, como está conservada e como pode e deve e onde ser exposta.
Esta é uma sugestão que espero seja entendida e aceita pela
UFAL.
O caminho da arqueologia em Alagoas precisa ser refeito e o
levantamento histórico feito pela Luna é um roteiro interessante e necessário.
Espaço espera que a Universidade concorde, encaminhe os trabalhos de exposição
do material do Zumbi, por si ou em parceria, a depender das posições do IPAN.
Evidentemente, uma sugestão jamais deve ser entendida como cobrança. Ainda há
tempo de se dar um belo presente ao povo alagoano.
Arqueologia em Alagoas no tempo
do Império
Luana Teixeira
No imaginário
popular, a figura do arqueólogo é frequentemente vinculada ao explorador
aventureiro que se embrenha nos recantos mais inóspitos atrás de vestígios e
tesouros de civilizações perdidas. No entanto, o trabalho do arqueólogo envolve
um rigoroso procedimento metodológico e uma vasta discussão teórica. Tão
importante quanto encontrar vestígios do homem do passado, é proceder a uma
escavação adequada. Os dados sobre a escavação, tais quais a posição em que o
objeto é encontrado, sua relação com outros vestígios e a profundidade em que ele
estava depositado são fundamentais para se obter conhecimento arqueológico. Mas
a rigidez sobre os procedimentos arqueológicos não foi sempre bem definida.
Como qualquer outra ciência, a arqueologia tem também a sua história. E no
início do desenvolvimento da arqueologia no Brasil, pesquisadores alagoanos
tiveram participação importante.
Ao
longo da história, vestígios materiais do passado despertaram o interesse dos
homens. Na América, desde o início da colonização européia, resquícios da
cultura material de seus primeiros habitantes chamaram a atenção de
exploradores e colonizadores. O primeiro relato sobre estes vestígios conhecido
na América Portuguesa foi feito em 1598, quando o capitão Feliciano Carvalho
encontrou gravações rupestres no nordeste brasileiro, possivelmente na Paraíba.
Desde então muitas outras notícias passaram a ser dadas por cronistas e
viajantes. Mas foi a partir do século XIX que as pesquisas arqueológicas propriamente
ditas começaram a se popularizar em todo o mundo, já sob os parâmetros
científicos que aos poucos iam se consolidando nas sociedades ocidentais. Um
dos fatos da época que maior fascínio exerceu sobre o tema foi a descoberta das
ruínas da cidade de Tróia (Turquia), em 1871.
O
século XIX no Brasil foi marcado pelos esforços das elites intelectuais e
políticas do país independente em inserir o Império (1821 – 1889) na tradição
da civilização européia. Para tanto era necessário construir uma narrativa que
associasse um passado glorioso à história do Brasil. Com esse objetivo, foi
criado, no Rio de Janeiro, em 1839, o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB). Desde sua fundação, o IHGB dedicou-se a “coligir, metodizar,
publicar ou arquivar os documentos necessários para a história e geografia do Império
do Brasil” (RIHGB, 1839). Para esse propósito, a arqueologia desempenhou
importante papel “como auxiliar na construção simbólica da nação” (LANGER,
2001, p. 9). Sintomáticas dessa importância são as viagens que D. Pedro II, Imperador
do Brasil e patrono do IHGB, fez por todo o mundo em locais significativos para
a arqueologia, como o Egito e a própria Tróia, onde chegou a acompanhar as
escavações.
Em
Alagoas, a atenção sobre o assunto foi aguçada na década de 1860. O presidente
da província, Moreira Barros, e o engenheiro Karl Krauss, em viagem ao sertão identificaram
inscrições feitas em rochas no leito do riacho da Água Morta (em Olho d’Água do
Casado). Na mesma época, nas margens do rio Ipanema, C. H. Williams registrou
pinturas rupestres feitas com pigmento vermelho. Durante sua viagem de canoa do
Rio das Velhas à foz do São Francisco, em 1867, Richard Burton também registrou
pinturas rupestres na margem do grande rio e, em seu diário de viagem, publicou
os desenhos feitos por Krauss e Williams (BURTON, 1977). Esses desenhos são
deveras importantes, permitindo, associar o sítio do riacho da Água Morta
descoberto por Krauss, com o sítio arqueológico identificado já no fim do
século XX pela equipe de pesquisas arqueológicas do Museu de Arqueologia da
Universidade Federal de Sergipe, que ficou conhecido como sítio Riacho.
Ainda
na década de 1860, buscando implementar os mesmos princípios que levaram à
fundação do IHGB, foram criadas três instituições de caráter semelhante nas
províncias de Pernambuco, Rio Grande do Sul e Alagoas. A criação do Instituto
Arqueológico e Geográfico Alagoano, em 1869, deu um impulso definitivo ao
interesse pelos vestígios arqueológicos na província. No entanto, destaca-se
que os fundadores do instituto alagoano (seguindo o modelo pernambucano),
optaram por enfatizar o caráter arqueológico no próprio nome da instituição.
Essa intenção é bastante evidente já na primeira revista do Instituto Alagoano,
publicada três anos após sua fundação. No único artigo desse primeiro número,
denominado Crônica do Penedo, ao
tratar dos principais fatos históricos da cidade, o autor destaca a descoberta
de vestígios arqueológicos do Forte Maurício, antiga fortificação construída
durante a ocupação holandesa do povoado (século XVII). Em menção ao quilombo
dos Palmares (contemporâneo a ocupação holandesa), também destaca os vestígios
da cultura material do grande quilombo. Já as atas das sessões do instituto de
1870 publicadas nesse número registram muitos oferecimentos de vestígios
arqueológicos para seu acervo.
Tudo começou
em julho de 1873, quando foi noticiada com destaque no jornal O Liberal, de Maceió, a descoberta de
igaçabas (urnas funerárias), no sítio Taquara, lugar conhecido como Chã das
Cajazeiras, em Anadia (atual Limoeiro de Anadia). Segundo a notícia, desde os
anos 1840 já haviam sido encontrados no sítio vestígios de antiga habitação e
cemitério indígena. Em 1873, o proprietário descobriu novos resquícios da
cultura material indígena ao derrubar matos para plantar algodão. Naquele mesmo
mês de julho, Nicodemus Jobim enviou ao Instituto uma carta acompanhada de
quatro rodas de fuso (objetos utilizados para fiar) retiradas do sítio e a questão
tornou-se ordem do dia na sessão do Instituto Alagoano. Ficou deliberado que
Duarte e Jobim, moradores próximos ao sítio Taquara, deveriam proceder a
pesquisas e enviar os objetos encontrados ao museu do instituto (RIAGAL, 1873).
Com muita
dificuldade e enfrentando uma série de entraves, como aquele causado pelo
proprietário do terreno, que não permitiu nenhum tipo de intervenção sobre sua
plantação, foi feita a pesquisa. Auxiliado por 26 pessoas, e utilizando-se de
um método que consistia em enterrar um espeto de ferro aleatoriamente ao longo
da área, até que houvesse resistência a uma profundidade regular de mais ou
menos três palmos, os correspondentes do Instituto Alagoano contaram ter
encontrado 73 igaçabas com tampa. Além de identificar um cemitério indígena, os
pesquisadores, demonstrando conhecimento arqueológico, também propuseram a
existência de um antigo aldeamento na localidade. Além disso, como haviam
descoberto um machado de ferro no mesmo nível em que estavam enterradas as
igaçabas, deduziram que aquele cemitério seria do tempo do contato com os
europeus. É notável que Duarte e Jobim não tenham se limitado a apenas recolher
os objetos, concentrando sua importância em sua aparência estética, como era
comum na época. A partir da pesquisa de campo, da utilização de um método, da
observação da disposição dos vestígios e da associação entre estes eles se
arriscaram a interpretações típicas de arqueólogos. Durante o século XIX, foram
muito poucos os intelectuais brasileiros que realizaram semelhante trabalho de
pesquisa e interpretação.
Um deles foi o
biólogo-evolucionista alagoano Ladislau Netto. Figura extremamente controversa
das últimas décadas do Império, Ladislau foi diretor do Museu Nacional, no Rio
de Janeiro, entre 1874 e 1893. Os esforços de Ladislau Netto em desvendar os
mistérios que cercavam a cultura material depositada no solo do Império lhe
legaram o título de ‘Pai da Arqueologia Brasileira’. Landislau Netto esteve
envolvido em inúmeras polêmicas durante sua carreira. Muitas de suas afirmações
sobre a ocupação humana do Brasil foram veementemente refutadas, como, por
exemplo, a hipótese de que as inscrições rupestres nos rochedos brasileiros seriam
uma prova da ocupação fenícia no continente antes de Colombo. Foi inclusive
acusado de ter falsificado um documento que supostamente provava essa filiação.
Apesar das polêmicas que o cercaram, sua atuação em prol da pesquisa
arqueológica durante sua permanência no Museu Nacional foi fundamental para o
desenvolvimento da arqueologia na época. E a presença de um alagoano na direção
da mais prestigiosa instituição científica da época influenciou a pesquisa
arqueológica aqui na província.
O “Dr.
Ladislau Netto” foi sócio honorário do Instituto Arqueológico e Geográfico
Alagoano desde sua fundação. Em 1870 ele era diretor interino do Museu Nacional.
Ao saber das descobertas arqueológicas do sítio Taquara, o Museu Nacional,
através do Ministério da Agricultura (a quem estava vinculado), solicitou que alguns
dos ossos encontrados fossem remetidos a essa instituição. O interesse dos
pesquisadores do Museu Nacional centrava-se nas ossadas, pois a antropologia
física era a tônica das pesquisas na época (ABREU, 2005). A solicitação foi
cumprida e em novembro de 1874 foi enviado ao Museu Nacional uma urna grande com
ossada humana, uma urna pequena, uma cunha de pedra e 20 elos de ossos para
ornatos encontrados dentro da urna.
Oito anos
depois, Ladislau Netto organizou a memorável Exposição Antropológica de 1882. A exposição foi
composta de oito salas, nas quais estavam expostos objetos arqueológicos e
etnográficos. Em cinco delas havia material cedido ou emprestado pelo Instituto
Arqueológico e Geográfico Alagoano. Não apenas os vestígios retirados da
escavação no sítio Taquara estavam presentes. Objetos arqueológicos
pertencentes ao Instituto Alagoano provenientes das regiões norte e
centro-oeste do Brasil também fizeram parte da exposição. Junto às peças de
particulares (algumas cedidas pelo próprio Imperador) e àquelas sob guarda dos
três reconhecidos centros de pesquisas arqueológicas da época (o Museu Nacional,
o Museu Paraense e o Museu Paranaense), a presença do Instituto Alagoano
demonstra a importância que a instituição teve no cenário arqueológico da
época.
Apesar de
valorizar o destaque que as pesquisas arqueológicas alcançaram em Alagoas no
século XIX, é necessário também evidenciar as conseqüências da relação direta entre
os membros do Instituto Alagoano e projeto imperial de construir uma narrativa
histórica. O novo país, que no início do século XIX tornou-se independente,
precisava ter uma história própria, uma história nacional. Herdeiros da cultura
européia, estes homens buscavam construir uma narrativa que inserisse a nação numa
tradição ocidental de civilização. Nesse sentido, a crença de que sob o solo do
Brasil poderiam ser encontrados vestígios de civilizações antigas acompanhou os
primeiros desenvolvimentos da arqueologia no Brasil. No princípio, os
pesquisadores sonhavam em encontrar uma Tróia nos trópicos.
No entanto, quando
os fracassos em encontrar ruínas monumentais esfriaram os ânimos das buscas, os
esforços arqueológicos se moveram para outra questão: afirmar quão diferentes
eram os índios e os homens brancos. No contexto do século XIX, a arqueologia
foi usada para se afirmar a suposta diferença inata entre os seres humanos, por
exemplo, através do estudo de crânios escavados nas pesquisas arqueológicas (craniometria).
Novamente destacaram-se as pesquisas realizadas no Museu Nacional. Trabalhos e
publicações importantes foram desenvolvidas pela instituição e Ladislau Netto,
seu diretor, foi um dos principais defensores da diferença entre raças. Apesar
de completamente equivocados, por muito tempo estes estudos foram tomados como
verdadeiros. Isso por que, naquele tempo, produzir conhecimento sobre os povos
indígenas era também parte de uma geoestratégia do Estado Imperial, num projeto
que destinava àqueles apenas duas opções: a submissão ou o extermínio
(FERREIRA, 2002). Afirmar ‘cientificamente’ que os povos indígenas eram
inferiores aos europeus foi uma importante justificativa ideológica deste
processo.
Em 1889, com a
queda do Império não ocorreu apenas o fracasso de seu projeto político, mas
também da concepção de História que realizava sua legitimação e sua identidade
(LANGER, 2001). Nos primeiros anos da República, o estudo das raízes mais
distantes do povo brasileiro é superado pelo foco no seu futuro. Por isso, o
interesse pela pré-história e pela arqueologia diminuem consideravelmente em
todo o Brasil e também em Alagoas.
Entre o fim do
império e os anos 1950 muito pouco se produziu em arqueologia no Brasil, sendo
que um dos poucos lugares de produção foi o Museu Nacional. Mas o vínculo que
ligava o Instituto Alagoano diretamente ao museu foi minguando após a proclamação
da república, com a perda de prestígio de Ladislau Netto (monarquista convicto
e amigo íntimo de Dom Pedro II) e sua morte em 1894. Não só o interesse
arqueológico, mas o próprio Instituto Alagoano foi muito afetado pela queda da
coroa, pois era uma instituição fortemente enraizada na política do Império.
Sintomático dessa relação é a diminuição drástica das publicações da sua
revista após 1889, e dos assuntos relacionados à arqueologia em suas páginas. Apesar
da fase instável no início do século XX, o instituto subsiste. Mas, demonstrando
que seus interesses já não eram os mesmo, em 1932, ele é renomeado para
Instituto Histórico de Alagoas e em 1972 passa ter sua atual nomeação,
Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas.
Hoje com
outros problemas, outros métodos e outras visões, profissionais de arqueologia
persistem trabalhando para que a pesquisa arqueológica se desenvolva em
Alagoas.
Bibliografia:
ABREU, Regina. “Museus
etnográficos e práticas de colecionamento: antropofagia dos sentidos”. Revista do Patrimônio, v. 31, 100-125, 2005.
BURTON, Richard. Viagem de canoa de Sabará ao Oceano
Atlântico. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1977.
FERREIRA, Lúcio Menezes. Vestígios de civilização: a arqueologia no
Brasil Imperial (1838-1877). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de São Paulo, Campinas, 2002.
Disponível no sítio: http://www.unicamp.br/bc/.
FUNARI, Pedro Paulo. Arqueologia. São Paulo: Contexto,
2006.
LANGER, Johnni. Ruínas
e Mito: a Arqueologia no Brasil Império (1840-1889). Programa de
Pós-Graduação em História, Tese de Doutorado, Universidade Federal do Paraná,
Curitiba, 2001. Disponível no sítio www.dominiopublico.gov.br.
RIAGAL. Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico
Alagoano. Maceió, v. 1, n. 4, 1873.
RIHGB. Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, n. 1, v.1, 1839. Disponível em: http://www.ihgb.org.br/rihgb.php?s=19.
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