APLICAÇÃO DA LEI DE DROGAS E AS PRÁTICAS INTEGRATIVAS
Anderson Santos dos Passos
Professor
Universitário, Juiz de Direito
titular da 1ª Vara da Comarca de Delmiro Gouveia, Mestre em Direito pela
Universidade de Coimbra
Visiting Scholar no
Instituto Max Plank para o Direito Público Comparado e Direito Internacional,
na Alemanha
(2015).
Este material foi publicado em Campus/O Dia
Um
dos pontos mais delicados da atual política de “guerra às drogas” adotada no
Brasil é a definição de alternativas adequadas para o acolhimento e recuperação
dos usuários de substâncias entorpecentes.
Como
se sabe, desde a Convenção de Genebra de 1936 foram estabelecidos os critérios
basilares da estratégia global de enfrentamento às drogas, quais sejam:
restrição à produção, comércio e consumo de substâncias entorpecentes e a
criminalização dos usuários.
Neste
sentido, a Convenção de Viena de 1988, o Convênio sobre Substâncias
Psicotrópicas de 1971 e a Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961
cristalizaram internacionalmente a política repressiva, servido de parâmetro
para inúmeras legislações nacionais sobre o tema.
Seguindo
tal tendência, até hoje a legislação brasileira insiste em tratar o usuário de
drogas como um criminoso, impondo-lhe toda a pecha estigmatizadora do direito
penal. Não obstante a clara evolução legislativa no sentido de não mais impor
penas privativas de liberdade ao usuário (despenalizacão), este ainda é
tutelado por normas de direito penal, ficando sujeito a um procedimento
completamente judicializado e às sanções previstas no art. 28 da lei
11.343/2006.
Neste
diapasão e buscando opções mais eficientes, algumas experiências têm sugerido
caminhos alternativos na aplicação da lei 11.343/2006, através de técnicas e
práticas integrativas a partir de modelos de desjudicialização parcial.
Um exemplo a ser citado vem dos
Juizados Especiais Criminais de Curitiba. A partir de 2005, foi instituído um
programa de atenção sócio jurídica para as pessoas processadas criminalmente
por uso de drogas ilícitas, tendo como objetivo principal a prevenção do
consumo de entorpecentes a partir de uma lógica despenalizadora.
O trabalho originou a oficina de
prevenção do uso de drogas (OPUD), cuja ideia consiste na instituição de um
núcleo composto por uma equipe multidisciplinar formada por psicólogos,
assistentes socais e outros profissionais da área da saúde e da assistência
social. Esta equipe multidisciplinar tem por função realizar abordagens
individualizadas dos réus e assessorar os magistrados sobre a adequação das
medidas alternativas aplicáveis a cada um dos casos, levando em conta o perfil
social e pessoal dos autores do fato e ressaltando o cunho socioeducativo da
medida.
Na metodologia empregada, os autores
do fato passam primeiramente por uma entrevista de acolhimento, na qual são
levantados dados psicossociais do réu para que se possa subsidiar o correto
encaminhamento a formas de tratamento. A segunda atividade é um atendimento
individualizado, com o objetivo de promover-se um campo de orientação e
reflexão do usuário de drogas sobre as medidas alternativas. Em uma outra
entrevista, são discutidas possibilidades de direcionamento do usuário para
grupos e programas de tratamento do vício.
No OPUD formam-se grupos de
atendimento, compostos por cinco encontros e, ao final, muitos dos autores do
fato são encaminhados para outros equipamentos de atendimento, tais como CREAS,
CAPS AD, cursos profissionalizantes, etc.
O diferencial destacável é a
integração do usuário/autor do fato no processo de decisão da medida aplicável,
de modo que ele possa efetivamente participar das discussões e fazer com que a
atuação estatal represente uma oportunidade concreta para a reflexão sobre as
drogas e a relação de dependência dele com os entorpecentes, afastando-se de um
modelo exclusivamente punitivo de justiça.
Pode-se dizer que, nestes casos, a
atuação judicial é, também, composta por uma ação psicossocial e médica, sendo
uma experiência de enfrentamento multifacetária, integrando os campos da saúde,
do direito e da assistência social. Tais exemplos têm mostrado bons resultados
na prevenção e recuperação dos usuários de drogas, com resultados mais
eficientes do que o modelo exclusivamente judicializado que é adotado na grande
maioria dos Juizados Especiais Criminais brasileiros.
É importante ressaltar que, no
conceito de práticas integrativas, o auxílio das equipes especializadas é
imprescindível para que os juízes possam encaminhar os usuários de drogas ao
tratamento mais adequado possível. Neste diapasão, os profissionais ressaltam a
necessidade de avaliar, individualmente, o grau de uso de entorpecentes e o
histórico psicossocial do autor do fato, antes da aplicação da medida
alternativa pelo magistrado.
Sem sombra de dúvidas, as
práticas integrativas representam uma
boa opção para a política estatal de prevenção e redução de danos aos usuários
de drogas. A aplicação "nua e crua" da lei 11.343/2006 não parece ser
o modelo mais adequado, sendo necessário transpor-se o sistema completamente
judicializado e punitivo para um outro de menor participação judicial e de
maior valorização da contribuição dos profissionais das áreas de saúde,
psicologia e assistência social na definição das medidas adequadas a cada caso
concreto.
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