On the Black Woman: Life and Prejudice
sur la femme noire: vie et préjulgué
sobre la mujer negra: vida y prejuicios
sulla donna nera: la vita e il pregiudizio
‘’E NÃO SOU UMA MULHER?’’: UMA REFLEXÃO SOBRE AS VÁRIAS FACES DA VIOLENCIA CONTRA A MULHER NEGRA
Elita
Moraes
Advogada
e bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), membro do
Movimento Mulheres em Luta.
Larissa Gouveia
Estudante de
pedagogia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), membro do Coletivo
Feminista Classista Ana Montenegro.
Em 2015 o Mapa da Violência sobre
homicídios de mulheres no Brasil causou consternação ao registrar um aumento
considerável e preocupante dos homicídios de mulheres em todo país. Os dados
eram espantosos porque, não só demonstrava um aumento vertiginoso desses
índices, como registraram que o Brasil, segundo dados da OMS (Organização
Mundial da Saúde), está entre os cincos países com os maiores índices de
feminicídio no mundo. Um estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada) sobre o feminicídio de mulheres no Brasil alertou para o fato de que
a lei Maria da Penha não causou o impacto necessário já que, ao longo dos seus
10 (dez) anos de existência, a mortalidade de mulheres aumentou.
No entanto, em todos esses estudos,
um elemento chama a atenção: o aumento considerável dos homicídios de mulheres
negras. Os registros do Mapa da Violência, por exemplo, demonstram que houve
uma diminuição dos índices de homicídios de mulheres brancas, e um aumento de
54% dos homicídios de mulheres negras. O estudo do IPEA vai ainda mais além e
registra que 61% dos óbitos de mulheres em todo país são de mulheres negras.
Importa esclarecer que esses
índices, assim como as condições precárias de vida das mulheres negras não são
novidade, as feministas negras já vem alertando para esta situação há bastante
tempo e delimitando a necessidade de se enegrecer as demandas dos movimentos
feministas, demarcando que os estereótipos de fragilidade feminina, combatidos
pelos movimentos feministas ao longo da história, nunca se encaixaram na
história de vida das mulheres negras.
A Casa Grande e o senhor de engenho não
faziam distinção entre homens e mulheres escravizados, portanto, a história das
mulheres negras no Brasil é profundamente marcada pela violência da escravidão,
pela violência sexual e objetificação de seus corpos. Tudo isso se reflete na
vivência dessas mulheres, que são inseridas no mercado de trabalho de maneira
precoce, possuem baixos níveis de escolaridade, e encontram-se inseridas nos
empregos mais precarizados. Portanto, não apenas o machismo, mas também a
opressão racista, é um elemento que não pode deixar de ser considerado na
violência contra a mulher negra.
Outra face dessa violência também se
reproduz no genocídio da juventude negra do país. Nesse sentido
coloca-se a seguinte questão: quem são as mães que choram as mortes do extermínio da
população negra e que ficam com a dor de enterrar seus filhos? Essas
mães têm cor e classe social e tem o seu direito a maternidade negado desde o
momento do parto, pois são as principais vítimas da violência obstétrica e tem
seus filhos vitimados nas mãos da
violência policial que criminaliza os negros e pobres nas periferias do Brasil.
Ao mesmo tempo,
no que diz respeito a criminalização do aborto, são a mulheres negras também as
mais atingidas, são elas que estão submetidas a métodos que colocam em risco
suas vidas, tornando-as
estatisticamente as que mais
morrem
por aborto clandestino no Brasil.
A realidade brasileira demonstra que mulheres brancas e ricas
recorrem a clínicas particulares com a devida assistência médica. É preciso,
portanto, que ao invés de criminalizado pelo Estado o aborto possa ser tratado
como o que realmente é: um problema de saúde pública que afeta milhões de
mulheres no país inteiro. A mulher deve ter o direito de decidir sobre seus
corpos e deve ter toda assistência médica e psicológica necessária fornecidas
pelo SUS.
A combinação cruel do patriarcado e do
racismo na vida de milhões de mulheres negras carregam pressupostos históricos
no Brasil que foi construído sob o lombo de trabalhadores (as) negros (as)
escravizados (as). Neste sentido, falar sobre violência de gênero contra
mulheres negras, assim como qualquer outro tipo de política pública para essas
mulheres, significa primeiro reconhecer que a democracia racial no Brasil é um
mito diante da realidade de vida dessas mulheres, e significa, também, fazer um
profunda reflexão sobre o racismo brasileiro, tão bem escamoteado pelo discurso
da miscigenação racial. Para nós, mulheres negras, combater a violência de
gênero, significa dar um combate ferrenho contra toda ideologia racista e
afirmar, como atualmente fazem milhões de mulheres e homens negros que se
levantam contra o racismo policial nos Estados Unidos, que vidas negras
importam.
Este texto foi publicado em Maceió, no suplemento Campus do jornal O Dia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário