O JUDICIÁRIO EM BUSCA DE CAMINHOS ALTERNATIVOS PARA A
RECUPERAÇÃO DO USUÁRIO DE DROGAS
Karla Padilha
Promotora de Justiça, professor e doutoranda em
direito
Este material foi publicado em Campus/O Dia
O desenvolvimento das ideias a
partir do facilitador ANDERSON PASSOS, magistrado em Alagoas, seguiu a linha de
abordagem prioritária do usuário, e não do traficante de substâncias
entorpecentes. Assim, pode-se pensar num recorte do tema que se debruça sobre o
combate ao uso e, também, sobre a recuperação dos usuários.
Três questionamentos foram lançados: 1) Qual o papel atual
do Poder Judiciário na aplicação do art. 28 da lei de drogas e no combate ao
tráfico? 2) Há experiências bem sucedias no âmbito do combate ao uso de drogas?
3) Criminalizar o uso é viável? OU seria melhor descriminalizar e
desjudicializar esse procedimento?
Com isso, Anderson parte de uma perspectiva que pretende desenhar o
panorama, em Alagoas, dessa problemática, ou seja, o que temos hoje de
concreto, na vida prática. Num segundo momento, pensa-se na discussão acerca da
desjudicialização parcial (mediante práticas “integrativas”) da matéria, como
já vem sendo feito em outros Estados. Finalmente, parte-se para a busca de
caminhos voltados à desjudicialização total. Nesta última hipótese, lança já o
debatedor a seguinte provocação: Seria o art. 28 da lei de drogas
constitucional?
Acerca desse dispositivo específico, Anderson Passos aponta para a sua
potencialidade de gerar a estigmatização e esteriotipização do usuário,
transformando-o em criminoso, com maior efeito, é certo, junto à população de
negros e pobres. Registra que muitos usuários, nos processos, acabam sendo
capturados pelo sistema como traficantes, em mecanismos de nítida
discriminação. Se a intenção do art. 28 foi despenalizar, o fez de modo
absolutamente inadequado.
A própria polícia, segundo o facilitador, recusa-se a intervir quando se
trata da hipótese do art. 28, ao argumento de que isso “não vai dar em nada”.
Afinal, para a estrutura policial, o que parece dominar é a lógica do “tudo ou
nada”, raciocínio esse, segundo o debatedor, não raro extensível ao MP, ao
Magistrado e ao Defensor.
No que se refere à
desjudicialização, os Estados do Paraná e do Distrito Federal, por exemplo,
teriam experiências que mudam essa lógica. Lá, tem se lançado mão de equipes de
profissionais das áreas de saúde, assistência social e psicologia para uma
“audiência coletiva”, dentro do processo penal, pautada por discussões
multidisciplinares sobre cada caso.
Tais debates se centram, basicamente, na investigação acerca das
possibilidades de se sair do mundo das drogas (recuperar-se), quebrando-se
totalmente a lógica tradicional de enfrentamento do tema. Decerto que o êxito
de tais intervenções em muito dependerá do perfil do Magistrado e do Promotor
que atuem no caso e, portanto, de sua maior ou menor resistência a essas
modalidades inovadoras de intervenção.
Finalmente, a questão vai para uma pergunta mais radical: E quanto à
desjudicialização total?
O Defensor Público Ryldson Martins sugere que tal discussão se amplie
mais para o tráfico, ou seja, para o “peixe grande” do problema. Sugere que se
aborde a questão do contato do Judiciário com as forças de segurança visando ao
combate ao tráfico, assim como ocorre na atuação do GECOC e da 17a
Vara, a fim de que se evite que a droga possa chegar com tanta facilidade até o
usuário.
A Oficial PM Mariana destacou que, no ambiente escolar, qualquer quantia
de droga apreendida é considerada significativa para que se proceda à condução
até a delegacia de polícia.
Para o advogado Cléssio Moura, nesse contexto, há alguns pontos de
abordagem necessária, como a má formação do policial, a guerra do tráfico, a
visão, ainda presente em alguns magistrados, de não conseguir enxergar para
além do criminoso. Muitas vezes se está diante de uma “interpretação elástica”
por parte do policial ou até do Juiz, que podem revelar a ideia internalizada
do “inimigo social”.
O psicólogo e psicanalista Adalberto Duarte refere-se a uma “perversão
da lei”, na medida em que se impõe a necessidade de uma punição. Assim, a
norma, ao invés de ordenar, desordena. Quanto ao tratamento do usuário, lança a
seguinte pergunta: Quem o deseja? O sujeito mesmo? Ou o magistrado?
Retornando o debate para o magistrado Anderson, este questiona se as
medidas atualmente previstas se revelam úteis ou não para o usuário. Pergunta
qual seria sua efetividade, inclusive se referindo à internação compulsória.
Ressalta o conflito muitas vezes vivenciado pelo magistrado, quando tem de
decidir, contando com um laudo insuficiente para a formação de seu juízo de valor.
O Defensor Público Ryldson Martins fala das “audiências de custódia”, aplicáveis
a toda hipótese em que há flagrante delito, sugerindo que já se encaminhe o
traficante ou usuário de drogas, que poderia ser inserido em um programa no
próprio Judiciário. Fala de uma corresponsabilidade do Estado no que concerne a
essa problemática das drogas.
Cléssio Moura chama a atenção para o fenômeno da “criminalização da
pobreza”, o que faz com que o indivíduo sofra, nessa perspectiva, duas espécies
de violência, já que a própria aplicação da lei é perversa. Destaca o
pesquisador que seria necessário pontuar os limites de atuação do Judiciário no
enfrentamento do tema, a fim de que se identificasse também a responsabilidade
do Executivo.
Registra também a
importância de se pesquisar a razão pela qual determinadas intervenções não são
bem-sucedidas, destacando que a resolutividade irá depender, em grande medida,
dos recursos disponibilizados pelo Executivo para investimento nesses
programas.
Adalberto Duarte, na condição de psicanalista, destaca o drama das
comunidades terapêuticas e das clínicas compulsórias em Alagoas, onde a
estrutura é precária, os recursos pessoais e materiais são escassos, tudo
reflexo de uma lógica pervertida da política. Registra casos de haver um único
psicólogo para mais de 40 internados, o que implica no comprometimento da
qualidade do serviço a ser prestado. Aproveitando a abordagem, Anderson Passos
aponta para o fenômeno da “mercantilização do usuário”.
O professor Sávio Almeida aponta para a construção, nesse contexto, de
uma “farsa socialmente necessária”. Identifica na matéria aspectos que estariam
a reclamar uma análise histórica, sociológica, antropológica e epistemológica,
de forma a se permitir um mergulho adequado no problema.
E o a economia do crime, nessa seara tão delicada e de difícil combate?
Já não se pode falar em um perfil social, étnico ou comportamental do
traficante de drogas. Hoje o espaço do tráfico é visto sob influxos
empresariais, posto que pautado pela lógica de mercado e pela lei da oferta e
da procura.
Está-se diante de
atividade extremamente lucrativa e difícil de ser suplantada por qualquer
comportamento que se pretenda lícito.
O desafio, portanto, agrava-se ainda mais em contextos de crise
econômica, onde a máxima da sobrevivência e do consumo capitalista possuem
forte influência, sendo também vulneráveis à contaminação pelas garras da
corrupção. Há ainda muito para se pensar e ousar. E a estrada é longa e
incerta.
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