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quinta-feira, 17 de novembro de 2016

O JUDICIÁRIO EM BUSCA DE CAMINHOS ALTERNATIVOS PARA A RECUPERAÇÃO DO USUÁRIO DE DROGAS


O JUDICIÁRIO EM BUSCA DE CAMINHOS ALTERNATIVOS PARA A RECUPERAÇÃO DO USUÁRIO DE DROGAS
Karla Padilha

Promotora de Justiça, professor e doutoranda em direito

Este material foi publicado em Campus/O Dia

O desenvolvimento das ideias a partir do facilitador ANDERSON PASSOS, magistrado em Alagoas, seguiu a linha de abordagem prioritária do usuário, e não do traficante de substâncias entorpecentes. Assim, pode-se pensar num recorte do tema que se debruça sobre o combate ao uso e, também, sobre a recuperação dos usuários.
Três questionamentos foram lançados: 1) Qual o papel atual do Poder Judiciário na aplicação do art. 28 da lei de drogas e no combate ao tráfico? 2) Há experiências bem sucedias no âmbito do combate ao uso de drogas? 3) Criminalizar o uso é viável? OU seria melhor descriminalizar e desjudicializar esse procedimento?
Com isso, Anderson parte de uma perspectiva que pretende desenhar o panorama, em Alagoas, dessa problemática, ou seja, o que temos hoje de concreto, na vida prática. Num segundo momento, pensa-se na discussão acerca da desjudicialização parcial (mediante práticas “integrativas”) da matéria, como já vem sendo feito em outros Estados. Finalmente, parte-se para a busca de caminhos voltados à desjudicialização total. Nesta última hipótese, lança já o debatedor a seguinte provocação: Seria o art. 28 da lei de drogas constitucional?
Acerca desse dispositivo específico, Anderson Passos aponta para a sua potencialidade de gerar a estigmatização e esteriotipização do usuário, transformando-o em criminoso, com maior efeito, é certo, junto à população de negros e pobres. Registra que muitos usuários, nos processos, acabam sendo capturados pelo sistema como traficantes, em mecanismos de nítida discriminação. Se a intenção do art. 28 foi despenalizar, o fez de modo absolutamente inadequado.
A própria polícia, segundo o facilitador, recusa-se a intervir quando se trata da hipótese do art. 28, ao argumento de que isso “não vai dar em nada”. Afinal, para a estrutura policial, o que parece dominar é a lógica do “tudo ou nada”, raciocínio esse, segundo o debatedor, não raro extensível ao MP, ao Magistrado e ao Defensor.
No que se refere à desjudicialização, os Estados do Paraná e do Distrito Federal, por exemplo, teriam experiências que mudam essa lógica. Lá, tem se lançado mão de equipes de profissionais das áreas de saúde, assistência social e psicologia para uma “audiência coletiva”, dentro do processo penal, pautada por discussões multidisciplinares sobre cada caso.
Tais debates se centram, basicamente, na investigação acerca das possibilidades de se sair do mundo das drogas (recuperar-se), quebrando-se totalmente a lógica tradicional de enfrentamento do tema. Decerto que o êxito de tais intervenções em muito dependerá do perfil do Magistrado e do Promotor que atuem no caso e, portanto, de sua maior ou menor resistência a essas modalidades inovadoras de intervenção.
Finalmente, a questão vai para uma pergunta mais radical: E quanto à desjudicialização total?
O Defensor Público Ryldson Martins sugere que tal discussão se amplie mais para o tráfico, ou seja, para o “peixe grande” do problema. Sugere que se aborde a questão do contato do Judiciário com as forças de segurança visando ao combate ao tráfico, assim como ocorre na atuação do GECOC e da 17a Vara, a fim de que se evite que a droga possa chegar com tanta facilidade até o usuário.
A Oficial PM Mariana destacou que, no ambiente escolar, qualquer quantia de droga apreendida é considerada significativa para que se proceda à condução até a delegacia de polícia.
Para o advogado Cléssio Moura, nesse contexto, há alguns pontos de abordagem necessária, como a má formação do policial, a guerra do tráfico, a visão, ainda presente em alguns magistrados, de não conseguir enxergar para além do criminoso. Muitas vezes se está diante de uma “interpretação elástica” por parte do policial ou até do Juiz, que podem revelar a ideia internalizada do “inimigo social”.
O psicólogo e psicanalista Adalberto Duarte refere-se a uma “perversão da lei”, na medida em que se impõe a necessidade de uma punição. Assim, a norma, ao invés de ordenar, desordena. Quanto ao tratamento do usuário, lança a seguinte pergunta: Quem o deseja? O sujeito mesmo? Ou o magistrado?
Retornando o debate para o magistrado Anderson, este questiona se as medidas atualmente previstas se revelam úteis ou não para o usuário. Pergunta qual seria sua efetividade, inclusive se referindo à internação compulsória. Ressalta o conflito muitas vezes vivenciado pelo magistrado, quando tem de decidir, contando com um laudo insuficiente para a formação de seu juízo de valor.
O Defensor Público Ryldson Martins fala das          “audiências de custódia”, aplicáveis a toda hipótese em que há flagrante delito, sugerindo que já se encaminhe o traficante ou usuário de drogas, que poderia ser inserido em um programa no próprio Judiciário. Fala de uma corresponsabilidade do Estado no que concerne a essa problemática das drogas.
Cléssio Moura chama a atenção para o fenômeno da “criminalização da pobreza”, o que faz com que o indivíduo sofra, nessa perspectiva, duas espécies de violência, já que a própria aplicação da lei é perversa. Destaca o pesquisador que seria necessário pontuar os limites de atuação do Judiciário no enfrentamento do tema, a fim de que se identificasse também a responsabilidade do Executivo.
Registra também a importância de se pesquisar a razão pela qual determinadas intervenções não são bem-sucedidas, destacando que a resolutividade irá depender, em grande medida, dos recursos disponibilizados pelo Executivo para investimento nesses programas.
Adalberto Duarte, na condição de psicanalista, destaca o drama das comunidades terapêuticas e das clínicas compulsórias em Alagoas, onde a estrutura é precária, os recursos pessoais e materiais são escassos, tudo reflexo de uma lógica pervertida da política. Registra casos de haver um único psicólogo para mais de 40 internados, o que implica no comprometimento da qualidade do serviço a ser prestado. Aproveitando a abordagem, Anderson Passos aponta para o fenômeno da “mercantilização do usuário”.
O professor Sávio Almeida aponta para a construção, nesse contexto, de uma “farsa socialmente necessária”. Identifica na matéria aspectos que estariam a reclamar uma análise histórica, sociológica, antropológica e epistemológica, de forma a se permitir um mergulho adequado no problema.
E o a economia do crime, nessa seara tão delicada e de difícil combate? Já não se pode falar em um perfil social, étnico ou comportamental do traficante de drogas. Hoje o espaço do tráfico é visto sob influxos empresariais, posto que pautado pela lógica de mercado e pela lei da oferta e da procura.
Está-se diante de atividade extremamente lucrativa e difícil de ser suplantada por qualquer comportamento que se pretenda lícito.
O desafio, portanto, agrava-se ainda mais em contextos de crise econômica, onde a máxima da sobrevivência e do consumo capitalista possuem forte influência, sendo também vulneráveis à contaminação pelas garras da corrupção. Há ainda muito para se pensar e ousar. E a estrada é longa e incerta. 

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