Esta matéria foi publicada em Campus/O Dia.
Entrevista realizada por Viviane Rodrigues. Coordenação da pesquisa: Luiz Sávio de Almeida
Alagoas: ´history of hip hop Alagoas: historia del hip hop
Alagoas: histoire du hip hop Alagoas: storia di hip hop
Marcos
Antônio Carlota da Silva.
P’ra toda a galera que curtiu e ainda curte o hip hop
comecei em 1983. Conheci um pessoal que dançava break e fui me interessando. Depois
surgiu a ideia de também discotecar. Em 1983 morava no Rio de Janeiro, sou
alagoano mas fui criado lá. Não imaginava que em Maceió existia esse lance de
rap e de break. Quando cheguei aqui em Maceió ia fazer 15 anos, foi uma
surpresa ver que a galera curtia aqui também. Não sou carioca, mas por ter sido
criado lá, eu era um “carioca”, tratava o pessoal aqui como Paraíba: “Esses
paraíbas aqui não dançam”.
Passei
em frente a uma discoteca, entrei e vi a galera dançando, entrei na roda, mas
não tinha muita noção. Foi em um discoteca perto da Praça Moleque Namorador,
não era a Discol, nesse tempo não a conhecia.
Comecei a conhecer o pessoal daqui, vi que dançava e muito, aprendi aqui;
no Rio de Janeiro só sabia uns pantins.
Conhecendo
a galera, disseram que havia uma discoteca chamada Discol; fomos lá e foi ai que conheci a galera pesada
do break dance: Edmilson (Foffy), Borracha, Geraldo (Amarelo), Nego do Bolo,
Thor e muitos outros. Esses caras começaram a ensinar, depois comecei a ganhar
concurso dos caras que estavam me ensinando.
Não
havia esse lance de ideologia, de espelho de vida, de construção de alguma
coisa; eu só queria curtir, dançar.
Depois foi que vim saber do break dance, grafite, dj, mc. Em 1998, todos nós que fazíamos parte da cultura, mas
não sabíamos do que se tratava, viemos saber que existia lá fora porque... O
hip hop daqui é um espelho de São Paulo, Taíde e outros que começamos a curtir
aqui... Ficamos sabendo que existia um movimento forte e organizado que se
chamava Cultura Hip Hop e dentro havia os elementos. Nós não sabíamos.
Percebemos que o movimento era mais que curtição, era esse lance de ideologia,
tirar as pessoas das drogas.
O
primeiro concurso que participei foi na Discol. Foi um lance legal pra caramba.
Ganhei vários concursos e comecei a ficar conhecido no meio da galera. Eu
dançava muito em cima, quebrava, nem sabia os nomes oficiais daquilo que a
gente fazia. Nós éramos muito ignorantes. È o break de chão, o break de cima,
para a gente era quebrada, o que hoje é o loop. Depois da Discol íamos muito
para o Centro da cidade, dançávamos em frente ao antigo Cinema São Luiz. Nós
íamos com o tapete e o gravador, na sexta, fazia uma roda e o break rolava
solto.
Mesmo
naquela época fervorosa do hip hop já existia o preconceito, já veio para o
Brasil como se fosse cultura de maloqueiro, bandido. Quando você adere uma
cultura extremamente para pobre, você se torna um dos excluídos. O hip hop é a
cultura dos excluídos porque é vivida e produzida para pessoas de baixa renda,
mas os ricos hoje estão curtindo, tentando se inserir nessa cultura porque é
modinha, é para estarem legal na fita.
Nós
vivíamos esse preconceito, quando passava na rua o povo dizia “lá vai os
maloqueiros”. Eu sou super displicente, nunca liguei para nada, opinião dos
outros para mim não importa. O que importa para mim é o que faço e me sinto
bem. O preconceito para mim servia de combustível para continuar naquilo ali. A
minha família sempre foi contra, mas era jovem e queria curtir minha vida.
Vou
dizer uma coisa a você, hoje tenho quarenta e dois anos, casado, tenho filhos,
mas não me arrependo nem um pouco daquela época. Se pudesse voltar no tempo
faria tudo de novo e pior, para chocar mesmo, tá ligada? Se tivesse a
consciência que tenho hoje faria de tudo para levar o hip hop para o
conhecimento público em geral para tentar quebrar esse preconceito. Não havia
esse apoio para divulgação.
Eu
sempre fui o cara que andava fora do comum do que era o movimento, todo
bonitinho, arrumadinho, sempre dancei com roupas emprestadas, tá ligada? Nunca
comprei um esquente, um boné para dançar. Eu sempre fui de carona. Eu fui a
primeira roda e deu a peste em mim, dancei e passei a ir a todas. No movimento
sempre participei como Dj tanto no Eustáquio Gomes como no Santo Eduardo. O Ary
para mim foi o cabeça do movimento em Maceió, era quem organizava tudo e os
donos dos equipamentos também.
Eu
sempre fui um DJ Dançarino, porque ia discotecar, mas ficava a ânsia de dançar.
Parava de discotecar e ia fazer parte da roda. Tinha um programa chamado Club
Mix, rolava funk, dance, sempre fui um cara que curtia o funk. Eu tinha uma
facilidade de mexer nos discos, fazer a mixagem, comecei a participar desse
programa e ficar conhecido como DJ. O radialista era o Oscar Neto e o DJ Tony
Régis, depois entrei (DJ Carlota), o DJ Fernando, depois apareceram outros DJs.
Comecei a discotecar no programa Club Mix, depois fui trabalhar em boate,
trabalhei na Zoomp (era GLS), depois trabalhei em outras boates.
Foi o movimento que abriu as portas para o meu
trabalho. Eu sempre fui displicente, fiz tudo por curtição, nunca tive vaidade,
nunca levei como algo profissional porque não precisava daquilo. Quando comecei
a discotecar nas boates, tinha na cabeça que não era um DJ para mim ou meu
movimento por isso nunca toquei o rap, nos lugares onde trabalhei por mais
moderno que fosse havia o preconceito. Só tocava dance, hall e MPB.
Eu
tocava nas rodas o rap e o funk. Eu tentava inserir o funk internacional, mas
não é essa nojeira que tem hoje no Rio de Janeiro. Os lp’s a gente conseguia
com uma certa dificuldade, alguém que trazia de fora, depois de um tempo foi
que chegou nas lojas daqui, não sei como, mas as lojas começaram a investir
nesse tipo de material. Na minha época era mais coisa importada, que um pegava
de um, do outro.
Sempre
fui displicente, nunca tive porra nenhuma, sempre toquei com o equipamento dos
outros, a única coisa que fiz foi montar um case, com dois toca-disco, um mix e
uma caixinha de som vagabunda para ficar treinando em casa. Os donos dos
equipamentos tinha um prazer em ceder os equipamentos pra galera tocar, uma
forma de incentivar a cultura. Os donos eram o DJ Jorge Pessoa, Deijar (Javali
– apelido) e o Jorginho. No Eustáquio Gomes era o DJ Wilson que ficava nos
bastidores e a gente fazia a festa.
Para
ser DJ não é só colocar a música para dançar, tem que ter uma noção de
produção, de público. Hoje em dia tem DJ que só tem o nome, só tem o som, tem
nome porque tem capital e pode pagar por esse nome. Na minha época a maior
autoridade de uma boate era o DJ, hoje é o segurança que fica na porta, há uma
inversão de valores. Por que isso? Pela prostituição da profissão, cobra
qualquer porcaria para tocar, não concordo e ai sai fora. Hoje sou radialista,
trabalhei em todas as rádios de Maceió.
Sempre
existiu um preconceito em associar o meu nome aquele tempo, mas faço questão:
Marcos Carlota. Quando estava na Rádio Difusora trabalhando como repórter o
âncora do programa chegou para mim “o que acha de usar Marcos Antônio?”, por
que? “Carlota é muito pesado, vamos tirar um pouco daquela marcação do
passado”, respondi que ou vou ser Carlota pra você ou arranje outra cara.
Eu
ser radialista hoje começou com esse lance do Club Mix, fui lá e me interessei
para ser DJ e a partir daí o público me aceitou. Eu era muito requisitado,
falado, às vezes estava na boate e o dono da rádio ligava “Carlota, pô tem que
está na rádio estão querendo lhe conhecer, bater um papo”, não posso, estou
trabalhando. Foi ai que o dono do programa criou uma entrevista para que eu
desse uma satisfação para o meu público. Comecei a fazer festa no antigo galpão
da UESA, vinha a galera do interior para me conhecer, só tocava rap se abrisse
a roda, mas meu estilo é mais funk miami, free style, melody.
Eu
creio que Taíde veio em 84, primeiro o conhecemos e muito, muito depois foi que
venho Os Racionais. O Taíde durante a década de 80 era referência nacional, mas
havia outros. Foi a partir do Taíde que a galera começou a querer cantar, de
ser MC o primeiro grupo era: Élder, Paulo, Ace Rick e eu. Quem fazia as letras
do nosso grupo era o Élder, inclusive muito boas. Mas eram letras que tinham
uma influência muito forte da realidade de São Paulo, não era uma coisa focada
nos problemas locais. Muito diferente dos raps que existem hoje que falam de:
desigualdade social, violência política e da polícia, problemas pessoas, a
mudança que o hip hop causou em suas vidas. A princípio as letras de rap eram
mais lúdicas, por exemplo: “Você pensa que é esperto lagartixa...” . Era mais
um lance de brincadeira, mas Taíde chegou com essa concepção de crítica social,
começou a cantar sobre a desigualdade, a violência da polícia, do Estado contra
o cidadão.
Os
pixadores que existiam na época, eram tratados como vagabundos, maus elementos,
hoje são grafiteiros tratados como artistas. Naquela época não conhecia essa
concepção de grafitte, existiam os pixadores. Mas no nosso grupo só havia os
dançarinos, DJ e MC. Eu fazia parte do grupo do Vergel, o melhor do estado,
éramos referência.
No
cara que trabalha na lagoa não tem consciência da sua importância, porque não
tem ninguém que fale pra ele: “bicho, você é importante para Alagoas, você é
importante para os alagoanos”. Eu nunca olhei para o que existia ao redor, o
meu bairro.
Na
época existiam dois grupos fortes que dançava o break. Quando a gente se
encontrava era o pega pra capar, mas de modo saudável. A gente chegava e
atiçava com um passo novo, iam e respondiam. A galera do Vergel chegou na maior
autoestima em uma roda na praia de Pajuçara: o grupo do Beto de um lado e o
nosso no outro, uma disputa sensacional. Nós não tínhamos nome, o que era forte
era o nome do bairro. Éramos conhecidos como o Grupo do Vergel.
Esse
lance de organização, associação houve por parte do Ary, mas não vingou, porque
não sei. Não adianta um ou dois querer fazer a coisa e a maioria não está nem
aí. Não sei se foi pela dificuldade financeira, porque iríamos precisar de uma
sede para a partir dali todo o movimento fosse organizado. Nunca houve, por parte
da minha turma, procurar apoio para divulgação e a mídia oficial também não
ajudava.
Na
minha época só havia o refúgio do Club Mix, quem dançava, escutava. Houve
outros programas com o mesmo estilo musical, sempre produzido pela mesma
pessoa: Tony Régis. Antes do Club Mix teve o Mistura Fina na Gazeta, depois
teve outro para puder vim o Club Mix.
O
movimento acabou porque as pessoas foram casando, morrendo, migrei para as
boates, não quis mais dançar. Eu não me lembro do movimento no Cleto Marques
Luz. Quem é Paulo?
O
que é forte hoje é a chegada de novos adeptos. Naquela época achávamos que
éramos os bambambans, mas os dançarinos de hoje barbarizam, um moleque de dez
anos faz coisa que nunca imaginei fazer e olhe que eu era um fodão. Aqui os
caras cantam muito bem, autêntico, sem buscar a influência paulista. Houve
movimentos recentes que recebeu patrocínio da prefeitura. O hip hop em Maceió
hoje é muito forte, mas ainda há muito preconceito. Eles são superiores a nós
na questão do social, fazem isso muito bem!
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