Esta é mais uma colaboração de Jessica Cavalcante, jovem pesquisadora que vai procurando mergulhar no campo da escrita e do olhar, treinando-se enquanto partilha conosco o que observa, o que pensa. É um árduo caminho: anos e anos pela frente e sempre sentido que falta e falta alguma coisa e que o começo sempre é agora. Quem deseja a pisada deste tipo de trabalho, deve sempre estar disposto a dizer-se que o começo é agora.
Às vezes, fico pensando no grande achado dos devotos de meu padrinho Cirço: Ai caminho tão longe, tão cheio de pedra e areia... A ciência é um caminho cheio de pedra e areia, de sensibilidade. É por fim algo que se começa e não se termina. É como este encontro que a Jéssica teve com as gentes da praia; sempre terá, jamais terminará de ter, mas cada vez será um encontro diferente e os olhos vão vendo, outras vezes, o aparente mesmo.
MACEIÓ:
OS ENFOQUES SOBRE A PAISAGEM
Jéssica Cavalcante
A rotina nos leva a desconhecer a
cidade, o fluxo de obrigações e funções sociais nos conduz a um eixo em sentido
linear, desviando o olhar dos detalhes externos a esse fluxo. Uma pequena
mudança, de posicionamento ou visão, nos faz contemplar o esquecido, quem o
ocupa e como ocupa. Dediquei uma tarde de domingo para esse olhar, me
debruçando sobre a janela do carro, por vezes saindo do mesmo, ajustando o foco
do meu olhar e registrando momentos da cidade.
Figura 01. Ponta Verde, Maceió - AL. 06 de Maio, 2018
Figura
02. Orla da Ponta Verde, Maceió - AL. 06 de Maio, 2018
Figura
03. Orla da Pajuçara, Maceió - AL. 06 de Maio, 2018.
É chegada a hora do almoço, pratos
na mesa, garçons sempre a postos, mesa arrumada, pedidos feitos, comida quase
pronta. Tudo quase perfeito, da mesa pode-se enxergar o mar e sentir a maresia
formando uma fina camada sobre a pele. Mas assim como parecem nítidas essas
sensações, inversamente, não é perceptível o estado deste homem ao lado, pois
ele pertence a uma região desfocada da lente de quem está sentado à mesa.
Sua condição, claramente de fome, encontra lugar
seguro neste banco, provavelmente o máximo de conforto que ele pode encontrar,
sob a sombra de uma árvore. Intrigante como o espaço público, não utilizado por
muitos, passa a ser o único lugar de acolhimento de outros.
Figura 04. Orla da Pajuçara,
Maceió - AL. 06 de Maio, 2018
.
Caminhar na orla, despretensiosamente,
por diversas, se não a maioria das vezes, para sentir a brisa do mar, o calor
do sol e ver pessoas fazendo o mesmo, é o que imaginamos ser o comum. O que é o
comum, senão o olhar restrito e recorrente de práticas triviais. A imagem enfoca
o verdadeiro comum, o trabalhador, que se desloca diariamente para a orla na
pretensão de bater seu recorde de vendas e tornar com o máximo de lucro
possível, pague as contas e traga uma satisfação no fim do mês. A contemplação
da cidade, pode esconder o mecanismo capitalista em cada caminhada.
Figura
05. Ponta Verde, Maceió - AL. 06 de Maio, 2018
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