Beatriz Palmeira é arquiteta, urbanista e mestranda: Mestrado Dinâmica do Espaço Habitado, FAU/UFAL. Neste trabalho, pergunta sobre como estaria se fosse diversos outros que também estão na cidade, existindo alguns com que partilha o espaço de, também, diversas formas. Pergunta apenas sobre si mesma, quando faz sobre o outro ou apenas sobre o outro, ou sobre os dois? Como você dialogaria com ela? Sem dúvida o cotidiano comporta
SE, IF... Vamos ler as interrogações de uma jovem pesquisadora em formação.
Uma série sobre o cotidiano: “E
se eu fosse...?”
Beatriz Palmeira
Fotografia 01 – Registrada no bairro do Jaraguá. Mês
de abril/2018.
“E se eu
fosse uma cadeirante?”
Neste
novo ensaio quis evidenciar um papel que eu e muitos ocupamos na cidade: o do
pedestre. Papel esse que é tido, muitas vezes, como de coadjuvante; que é
esquecido, negligenciado. Saindo de casa, imediatamente nos colocamos em
situação de vulnerabilidade. Quando
caminhamos, se aproveitamos para exercitar o olhar crítico do espaço urbano que
estamos vivenciando, encontramos variados âmbitos do ser vulnerável que estamos
sendo naquele momento. Mas aí penso, se eu, que atualmente não possuo nenhuma
limitação física para me locomover pela cidade, encontro tantos obstáculos para
traçar uma reta, como deve ser a vida daqueles que estão mais vulneráveis que
eu? Observar o cotidiano do outro pressupõe um passo a mais para além de
somente mirá-lo. É preciso se colocar em seu lugar. Só assim é possível
iniciar, mesmo que superficialmente, a compreensão de uma fração da sua
realidade. Se eu fosse uma cadeirante, como eu passaria por essa calçada da
imagem acima?
Fotografia 02 – Registrada
na Orla da Jatiúca. Mês de abril/2018
.
“E se eu fosse uma criança?”
Agora
me coloco no lugar de uma criança que brinca no espaço urbano, sem muita
preocupação. Inocente, talvez ela até faça brincadeira da possibilidade do chão
desabar sob seus pés, literalmente. Provavelmente ela ainda não percebe (infelizmente um dia ela vai), mas quantos são os
perigos ela está sendo exposta ao caminhar pela cidade? Quantos obstáculos são
passíveis de serem encontrados no seu percurso? E mais, a criança dessa foto
está na região, teoricamente, ou não, mais bem cuidada da cidade. Se assim o é,
me pergunto um pouco mais, o que os pés das crianças das grotas e favelas
enxergam todos os dias?
Fotografia 03 – Registrada
nas calçadas da Ponta Verde. Mês de abril/2018.
“E se eu fosse uma idosa?”
O
caminhar continua e, com ele, as reflexões sobre o que os meus pés encontram.
Nesta cena, me pergunto: e se eu fosse idosa, com que dificuldade eu passaria
por essa rampa de automóvel colocada na largura total da calçada? Quanto tempo
eu levaria para chegar ao meu destino, se, além do meu passo lento, eu ainda
tivesse que lutar contra os empecilhos impostos pela cidade? E mais uma vez,
volto a me questionar, se a qualidade das calçadas dos bairros nobres são
assim, como serão os espaços transitáveis da parcela marginalizada e excluída?
Faria ainda uma pergunta anterior a essa, será que esses espaços existem?
Fotografia 04 – Registrada nas
calçadas da Ponta Verde. Mês de abril/2018.
“E se eu fosse um cego?”
Mais
uma vez, busco me colocar no lugar do outro. Tentar imaginar o que ele vê, o
que ele sente, o que ele pensa; mesmo sabendo que esse exercício me releva
somente uma parte do todo, que a minha imaginação não é capaz de recriar uma
experiência igual daquele que não sou eu. A realidade do outro será sempre mais
do outro do que minha. A mim, cabe somente tentar, ao máximo, o movimento de
saída, para me aproximar do outro que passa; cultivar a empatia pelo cotidiano dele.
Por isso, uma nova pergunta, e se eu fosse um cego, como eu veria a cidade? Ou
melhor, como a cidade me permitiria vê-la? Teria eu acesso a todas as esquinas,
a cada um dos seus cantos e intersecções? Poderia eu transitar sem preocupações
e com “toda autonomia” que a pessoa que caminha ao meu lado e enxerga,
transita? Quantos seriam os postes que eu trombaria pelo fato daqueles que
deveriam promover cidades inclusivas e acessíveis não terem se colocado no meu
lugar?
Fotografia 05 – Registrada
nas calçadas da Ponta Verde. Mês de abril/2018.
“E se eu fosse uma mulher? Mas pera,
eu sou.”
Ser
pedestre na cidade de Maceió não é um papel fácil, como vimos. De fato, é se
colocar em posição de vulnerabilidade a todo momento. No escuro da noite,
parece que mais assombrações são reveladas pela penumbra que se forma por conta
da carência da iluminação pública ideal. E aí, todas as minorias trazidas nesse
ensaio são expostas a mais perigos. Mas, existe uma outra categoria oprimida
por esses espaços urbanos injustos e pouco acessíveis: a das mulheres. E aí,
retiro o “se” dos meus questionamentos. Eu sou mulher e sei o que é ser uma
mulher que transita pelo espaço da cidade, de dia e de noite. Sei da
insegurança, da impotência, do medo que se sente, porque sinto também. No
entanto, gostaria de finalizar com uma provocação: fazer parte da categoria
oprimida traz novas lentes de compreensão, é claro, mas será mesmo que
precisamos vivenciar na pele todas essas realidades para nos colocar no lugar
delas? Se você olha para essa imagem, seja você quem for, será que você não vê,
minimamente, o que eu vivencio?
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