Poliana
dos Santos é historiadora, mestra na área de literatura pela UFAL/AL e doutora
em História Social pela Universidade de São Paulo, sob a orientação de Marcos
Silva.
Poliana
dos Santos é um exemplo de vida e de como se aproveita a inteligência e
seriedade que se tem. Jovem doutora pela Universidade de São Paulo retornou
para sua terra e se reencontrou, nas raízes do PontL da Barra, com suas
próprias raízes trançadas com a história de vida de sua avó, a partir de quem
escreve este belo texto.
Campus
agradece à gentileza da autora e deseja prestar uma grande homenagem às
fileseiras e pescadores do Pontal da barra, através desta mulher de força que é Angelita Lisboa
dos Santos. Através de Poliana, a homenagem segue para a nova inteligência dos
historiadores de Alagoas.
Um
abraço
Material publicado em Campus/O Dia
Da
rede do pescador nasceu o filé: histórias do Pontal da Barra, histórias de
minha avó
Poliana dos Santos
Dona Santa fazendo o filé, na época em que ainda se usava pau de mangue e palha |
As mãos de minha avó teceram o meu mundo, de menina e de mulher. Sentada e curvada na calçada de casa, sozinha ou acompanhada de outras rendeiras, ela ziguezagueava na rede, presa ao tear, uma agulha fina e cumprida, fazendo curvas e dobras com a linha, preenchendo vazios, deixando espaços vagos à mostra, hesitando ali ou acolá, seguindo em frente. De suas mãos ágeis nascia o filé, um bordado, cuja complexidade e combinação de pontos formam um vivo colorido, de todos os tamanhos e contornos. Do seu quadro, surgem variadas espécies de flores, peixes, pássaros, canoas e personagens do nordeste: a dona de casa na janela, o carroceiro carregando leite, a vendedora ambulante com seu cesto na cabeça. Dessas pinturas feitas em linhas de algodão pode-se construir uma história da gente humilde, e o seu modo de ver o mundo. Mas também do filé se faz o vestido de casamento, a toalha de mesa e de centro, a saída de praia, a saia rodada, jogos americanos, almofadas, bolsas, brincos e colares. As mãos de minha avó criaram um mundo.
Este
bordado de origem europeia, localizado em regiões de Portugal e da Itália, e
que nos faz recordar de um Brasil ainda colonial, se estabeleceu nas comunidades
pesqueiras e lagunares de Alagoas, como no bairro do Pontal da Barra em Maceió
e nos municípios de Marechal Deodoro, Coqueiro Seco, Santa Luiza do Norte e
Satuba. Foi no Pontal da Barra, faixa de terra entre a praia e a lagoa, que
minha avó cresceu e passou a vida inteira. Lá casou, teve filhos, criou os
netos e bisnetos, formou uma rede de solidariedade entre vizinhos, amigos e
parentes. Com o filé, minha avó enchia o prato de comida, vestia meu pai e meu
tio, comprava o material da escola para os filhos, levantou a sua sonhada
casinha. Com o filé e suas mãos generosas, minha avó sustentou uma geração,
criando possibilidades para que pudéssemos alçar voos e buscar outros destinos.
Nascida em 7 de janeiro de 1927, hoje com 91 anos, Angelita Lisboa dos Santos, ela tem nome de anjo, não fabrica mais o bordado. É a segunda mulher mais idosa do Pontal da Barra. Agora é contadora de história e de causos, relembrando a sua infância e aventuras, o casamento, a vida difícil e a luta cotidiana para aplacar a fome, cuidar das crianças quando adoecia. Sempre percebi que minha avó representava uma liderança na comunidade e na rua onde ainda moramos. Mulher autônoma, forte e cheia de bondade nunca deixou de ajudar a ninguém, todos a procuravam para pedir conselhos, socorro e para curar das enfermidades. Além de ter nome de anjo, as pessoas a chamam de “dona Santa”. Ela fazia milagres!
Mulher
sábia, ela conhece várias ervas, chás e óleos curativos que nos receitava e
apaziguava as nossas dores, quando a medicina legal não nos vinha em auxílio.
Era a cidreira, o capim santo, a hortelã, a sambacaitá, a babosa, a jurubeba, o
óleo de coco. É preciso lembra que, no início da formação do bairro, não havia
posto de saúde, e o conhecimento da medicina popular era fundamental para a
população pobre, sendo com frequência a única possibilidade de cura. Médico era
raro na localidade, aparecendo em visitas esporádicas. Quando as mulheres
entravam em trabalho de parto, era a dona Hortência que ajudava a “dar à luz”.
Ela era a parteira do bairro, e morava em um lugar chamado Castelo Encantado,
habitação bem sugestiva para quem fazia milagre e salvava vidas.
Dona Santa também tirava o mau olhado. Ainda lembro quando algumas mães, com os seus filhos recém-nascidos no colo, apareciam em fila na sua casa, a fim de que ela os livrasse dos olhos invejosos e alheios, que deixavam os meninos febris e abatidos. Sua cura consistia no Pai Nosso e numa reza, realizada antes do pôr do sol, e que poderia ser repetida três vezes, durante o dia. Sua oração era sempre acompanhada de alguma planta, um talo com folhas, que Angelita passava de relance e cruzava sobre o corpo da criança. Acreditava que o olhado maldito recaia sobre o vegetal, que após o fim da sessão ficava murcho. Ela me dizia que qualquer “pé de mato” servia, mas gostava mesmo era do pinhão roxo. Uma vez me revelou o segredo da cura, deixando que eu registrasse numa folhinha:
Pai
nosso
Deus
te gerou, Deus te criou, Deus te acanhe quem te acanhou
Olhos
malditos, olhos matador vai para riba de quem te botou
Com
dois te butaram, com três eu te tiro, com o poder da Virgem Maria
Se
butar na formosura para que não me diria, que eu te curaria com o poder de Deus
e da Virgem Maria
Se
tiver olhado na tua formosura, no corpo, no cabelo, na boniteza, na esperteza,
na gordura, na tua vida para que não me diria, que eu te curaria com o poder de
Deus e da Virgem Maria
Vai
para riba de quem te botou
Deus
é o sol, Deus é a lua, Deus é a claridade, Deus é o homem de verdade
Salve
e sã cure essa enfermidade
Assim como o filé, dona Angelita aprendeu o benzimento com a sua mãe Regina e as suas irmãs. Teve 17 irmãos, vivo hoje apenas cinco. Sabia de outras benzeduras, para o tratamento do mal do monte, conhecida como erisipela; cobreiro, a herpes-zóster; e a espinhela caída, uma dor que dava nas costas, pernas e estômago, causando cansaço. Mas nunca precisou sanar essas doenças, por isso acabou esquecendo como se reza. Minha avó não cobrava um centavo para sarar os pequeninos enfermiços, pois milagre não se paga, era presente divino.
Além
de trabalhar no filé e benzer, dona Santa teve outras ocupações. Foi
quitandeira, vendendo no outão da residência verduras e frutas: laranja,
banana, cebola, tomate, pimentão, melancia, coco, cenoura etc. Foi com o
dinheiro do filé que conseguiu montar a quitanda, indo sozinha, todos os dias,
ao Mercado da Produção para comprar os alimentos. Ademais, lavava roupa de
ganho, quando o Pontal da Barra só tinha um chafariz. O tempo apagou os rastros
da cortina d’água, em seu lugar há várias lojas de artesanato, como AlaJosé.
Carregava a roupa suja, enrolada num pano, em cima da cabeça, e seguia pela rua
de barro até a fonte. A vida não era fácil! Às vezes, a única coisa que tinha
para “encher o bucho” era um bolo de farinha, feito com água e pimenta. Tal
mistura era conhecida como “cabeça de galo”. Nem sempre “a lagoa dava para
peixe”, como diz um ditado popular; e era preciso se virar como podia.
Naquele
tempo, a casa era de taipa coberta de palha de coqueiro e se dormia em
esteiras. O fogão era improvisado com quatro forquilhas de mangue, onde se
punha varas de madeira e palha seca. Cobriam-se tudo de barro. Nesta superfície
se colocava tijolo batido, importante para sustentar a grelha. Entre os tijolos
ficava a lenha. E pronto, já se podia cozinhar! As roupas eram lavadas em
gamela de madeira. Conta meu pai, que na infância, minha avó improvisou dois
colchões para ele e meu tio. Ela tomou sacos de aniagem de farinha de trigo,
pego na padaria do seu Jorge, e encheu de “capim da praia”. A dormida no início
era difícil, porque o capim era duro e espetava! Mas depois foi se acostumando
e até “dormir ficou gostoso”. O seu Jorge distribuía o pão para todo o bairro e
para as bandas de Barra Nova e Santa Rita. O pão era levado em uma canoa a remo.
Da
meninice de Angelita, conheço pouca coisa. Teve uma infância pobre, seu pai era
pescador e sua mãe, vinda de Pernambuco, trabalhava em casa e no filé. Sei
apenas que, à noite, chupava o dedo para esquecer a fome e lograr dormir; que
cuidava das irmãs mais novas e brincava com a conca do coqueiro, era a sua
boneca. Não gostava de estudar, e passava as aulas, que assistia na Colônia de
pescadores, penteando o cabelo da professora. Era assim que conseguia escapar
das tarefas.
Nas
décadas de 1930 e 1940, o bairro do Pontal não se apresentava, como agora, um
consolidado centro de comércio e de artesanato, organizado em tendas
enfileiradas e paralelas à rua, onde se vende todos os tipos de bordados e de rendas,
enfeites, lembrança e utensílios. É interessante que muitas dessas lojinhas correspondem
à frente ou entrada da habitação de rendeiras e de pescadores, sendo uma
adaptação de parte da sala de estar. No fundo, se mantém os quartos, a cozinha
e um pequeno quintal. Nessa área central de negócio, podem-se encontrar
pequenos mercados, restaurantes, lanchonetes, sorveterias e uma pousada. Há
tendas especializadas em doces e bebidas regionais. Os vendedores ambulantes de
milho e picolé também circulam pelas ruas atraindo os turistas com o seu pregão.
Mas esse formato não foi por vida assim!
No
começo, havia poucas casas, dispersas aqui ou acolá, e não existia estrada
asfaltada e nem residência a beira da lagoa. Tinha uma Igreja Católica, mercearia
e bodega, delegacia, a Colônia de pesca, um cemitério e o chafariz. Atualmente
só resta a igrejinha, localizada na Praça São Sebastião e a Colônia de
pescadores. O abastecimento do local vinha do Mercado da Produção, na Levada, onde
hoje se encontra o Mercado de Artesanato. Havia muitos brejos, mangues e dunas
na região, que aos poucos foram sendo ocupados. Diziam os moradores antigos,
que o Pontal era terra de índio e cigano, e de gente de origem holandesa, vinda
de Marechal Deodoro. Os homens daqui eram considerados valente, havendo vários
conflitos entre as famílias no local. No tempo de mocidade de minha avó, não
existia transporte público. O povo andava a pé até o Trapiche, aonde pegava o
bonde. O deslocamento era feito igualmente de canoa, pela beira da lagoa. As
rendeiras faziam grandes caminhadas para comercializar o filé no cais do Porto,
em Jaraguá. Elas subiam na sacada do navio, com autorização do comandante, e
vendia os bordados para os turistas. Aos poucos o comércio foi expandindo, e o
tecido também passou a ser vendido em lojas e hotéis, e foi sendo levado para
os Estados vizinhos, como Pernambuco. Havia igualmente mercadores que iam
diretamente ao bairro com objetivo de fornecer os materiais de confecção,
principalmente todos os tipos de carretéis de linhas; outros negociantes lá
chegavam para comprar e revender a costura para fora.
Antigamente,
quando não se conheciam a indústria dos novelos coloridos, as mulheres
tinturavam os rolos de linhas com o colorau, a palha da cebola, a bucha do
coco, a corpuna, a salsa da praia. Destas matérias-primas se tiravam várias
cores: o beje, o amarelo, o marrom e o roxo. Todo o processo e a arte do filé
eram feitos de forma manual e passados de mãe para a filha e netas. Era um
trabalho especificamente feminino, mas com o transpor dos anos e a necessidade
econômica, alguns homens foram aprendendo a bordar, tornando-se verdadeiro
artífice na arte.
Dona
Santa casou, em 1945, quando tinha 17 anos. Seu marido José Pedro dos Santos,
conhecido como Zé Sofia, tinha 45. Eles tiveram cinco filhos, mas três morreram
ainda criança, de causas desconhecidas. Os dois sobreviventes, ainda vivos, são
José Pedro dos Santos Filho e Napoleão José dos Santos, meu pai. Zé Sofia era
pescador muito sabido, vindo da Serra da Nasceia, no município de Boca da Mata.
Conta minha avó, que ele falsificou os documentos e as testemunhas para se
casar sem autorização dos pais dela, visto que era menor de idade. Ele chegou a
fazer uma carteira de identidade para dona santa, com a data de nascimento
falsa, a fim de que ela se apresentasse mais velha. Além disso, levou pessoas
para o cartório, no dia do casamento, para se passarem pelos pais de minha avó.
Foi Zé Sofia quem fundou, em 1930, junto com o
mestre Aminadab, o famoso fandango do Pontal, que mesmo hoje encantam velhos e
crianças, sendo apresentado especialmente em datas comemorativas e religiosas,
como a festa de São Sebastião e o Natal. Estas celebrações eram as mais
importantes do local, vindo depois o festejo de São João, em que se dançava a
quadrilha, o coco, a chegança e a baiana. Com respeito ao fandango, é um auto
de temas marítimos, não possuindo uma narrativa linear. São danças e cantigas
que corresponde à marujada, à barca e à nau Catarineta. Tratam das peripécias e
dos sofrimentos dos navegadores portugueses. O fandango é composto de mestre,
contra-mestre, padre, médico e os marinheiros, todos com uniforme da Marinha. Os
passos são cadenciados ao som da orquestra de corda (violão, cavaquinho e
viola).
Mas
Zé Sofia tinha outras habilidades. Era também conhecido por suas poesias e
improvisos, cantando em desafios e provocações que, amiúde, motivou confusões e
brigas. Uma vez, o bairro do Pontal da Barra estava em plena animação com a chegada
do carnaval. As danças, cantigas, fantasias, serpentinas e confetes se
espalhavam pelas ruas, contagiando os moradores. A alegria, porém, estava
dividida entre dois clubes carnavalescos: a Ciganinha, do Pontal de baixo, e o
Machado, do Pontal de cima. Ao anoitecer, as duas partes marcharam festivas uma
em direção à outra, para cruzarem os estandartes. O grupo do Machado, comandado
por Zé Sofia, dizia que não encruzava; o líder do grupo rival respondia: “eu
encruzo”. E nessa contenda eram compostas charadas para debochar do grêmio
adversário. Numa dessas, Machado sai vencedor, dando início a um conflito com
pau e faca. Dona Santa recorda desse momento, e guarda em sua memória um
fragmento da cantiga do esposo:
Achou
melhor vá pra casa se deitar
Para
depois não sair envergonhado
Sem
ter jeito para dar.
José
Pedro não era somente pescador, trabalhava como carpinteiro, construía casas e fazia
canoas. Mas o que ele gostava mesmo de fazer era compor poesias e rimas. Meu
pai gravou na memória muitas de suas cantigas, que era ensinada insistentemente
pelo meu avô nas horas de folgança. Os temas eram variados e se apresentavam na
forma de pequenas narrativas. Eles falavam do ébrio, da traição sofrida por
Jesus Cristo, do amor de mãe e da importância da mulher. Contava igualmente
sobre a valentia, a pobreza e ambição dos homens por riqueza. Quando se tornou evangélico,
Zé Sofia começou a compor hinos. A ele também é atribuído à fundação da
primeira igreja protestante do bairro: a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Seguem
alguns de seus poemas, declamado por meu pai.
Oh Jesus, meu
redentor
Do alto céu
infinito
Abençoe os meus
escritos
Com vosso divino
amor
Leciona o
trovador
Com a divina
inspiração
Para que vossa
paixão
Seja desfeita em
clamor
Desde o início
da dor até a ressurreição
Dentro do livro
sagrado
São Marco em
perfeição
Nos faz a
revelação
de Jesus Cristo
crucificado
preso e
arrastado,
Cuspido pelo
Judeu
Pelo apóstolo do
seu
Covardemente
vendido
Viu-se amarrado
e ferido
Nas cordas dos
fariseus
Diante prediz o
senhor
Meus discípulos
me arrodeiam
E todos comigo
ceiam
Mas um me é
traidor
Sobre a mão do
pecador
Meu corpo pro
sepulcro vai
Porém, eu vos
digo mais
O homem que por
dinheiro
Transformou-se
em traiçoeiro
Contra os filhos
de Deus faz
Ouvi um ébrio
dizer
A vida não vale
nada
É uma triste
jornada
Que podemos
fazer?
Estou farto sem
beber
Quando era
ressecada
Uma cerveja
gelada,
Um vinho a cana
pura
É a única
aventura
De uma vida
desgraçada
*
Entrei numa
catedral
Roubei um grande
tesouro
Um colar e muito
ouro
E penso que não
fiz mal
Pra que santo
quer metal
Construir tanta
riqueza
Aonde vagueia a
pobreza
E a miséria
consome
Onde um pobre
morre de fome
Olhando e vendo
a riqueza
Esta história
não é minha
Mas também não é
areia
Não é grande não
é pequena
Não é toda não é
meia
Não é certa não
é à toa
Não é ruim não é
boa
Não é bonita e
não é feia.
Quando
meu avô faleceu em 1972, dona Santa tinha 42 anos, meu pai havia entrado na
polícia e o meu tio já trabalhava na prefeitura. A vida de bonança, que se
prometia, deixava para trás uma história de fome e dificuldades. Minha avó não
quis mais casar, continuou fazendo o filé e ajudava agora na criação dos netos.
Conseguiu se aposentar como rendeira, mas não parou. Ainda velhinha e com
dificuldade de locomoção, com os seus 89 anos, eu a via sentada no sofá de
casa, fazendo rede para vender. Trabalhava por gosto, por amor e para comprar o
pão.
Uma
vez me falaram que o filé nasceu da rede do pescador e foi se adaptando. É uma
sabedoria popular, de quem reconhece que, no Pontal da Barra, a fiação é a base
material da existência. Mas é igualmente uma rememoração e uma referência à
simbologia religiosa da criação –, “da costela de adão, nasceu Eva”. Uma alusão
que explica a organização patriarcal daquela comunidade. Vale dizer que os fios
tramados não pescavam somente peixes, elas teciam sonhos e esperanças, coloria
uma vida acre, punha os filhos na escola e abastecia a casa de alimento. O filé
trouxe, do mesmo jeito, a independência feminina, pondo em tensão o universo
masculino dominante. Minha avó nunca aprendeu a ler, apesar de saber soletrar
todo o alfabeto. No entanto, ela tinha o dom de outras leituras e escritas.
Escrevia com a linha, o seu caderno era o tear e os seus lápis, as agulhas.
Contou a sua própria história e vendeu para o mundo; sua narrativa foi levada
pelos navios, conheceu os mares e pisou em outras terras... As curvas e as
formas que os fios do bordado tramaram, com os seus pontos cegos e entrelaçamentos,
seus altos e baixos, seus acabamentos, narraram a vida de Angelita, marcaram a
sua biografia. As mãos de minha avó me ensinaram tanto! Mãos hoje magras,
atrofiadas e encolhidas, cheias de história e cheias de amor.
Obrigada
dona Santa, por me ensinar tanto!
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